Tenho uma Gata, a Ness.
A Ness é muito mais do que um simples felídeo. A Ness é um pacote de sensações, de emoções, de utilidades. De dores de cabeça.
Manhã. Não, manhã não, madrugada. Cerca de 6 e meia da manhã, vá.
Um gajo normal, o que é que faz? Quando muito, coça o escroto, com jeitinho, e levanta-se e vai ao wc fazer xixi, sem nenhum outro objectivo na vida que não o de voltar para os lençóis quentinhos e voltar a ferrar, isto em menos de 38 segundos.
E eu sou um gajo normal, diria mesmo estupidamente normal.
Daí que levanto-me contrariado, acendo a luz do wc, faço o meu xixi, sacudo no fim para não molhar os boxers, ainda chego, se não estiver demasiado ensonado, a secar com um farrapo de papel higiénico, e vou para a cama, feliz da vida. Sou um tipo asseado.
Mas eis que aqui o gajo estupidamente normal cometeu um erro, no parágrafo anterior.
Acendi a luz.
E é isto, este pormenor dos fotões e da perturbação electromagnética a viajarem a 300 mil Km por segundo que me lixa o resto da manhã de sono. Porquê?
Porque a Ness, nesse instante, deixa de ser gata e passa a ser despertador.
Desata a miar feita parva, como se não houvesse amanhã.
E eu não volto a conseguir dormir.
Mas sou um tipo obstinado. Daí que não ceda às birras do animal. Deixo os minutos correr, já uma pilha de nervos, e hora e meia depois, vou tomar banho.
Silêncio absoluto, enquanto tomo banho. No entanto, eis que fecho a torneira da água.
Outro erro crasso, o segundo do ainda curto dia.
A miadeira volta, desta feita a goelas soltas.
Visto-me num ápice, e vou abrir o raio da porta da cozinha. E a excelsa gata entra, feliz da vida. E a miadeira acaba, porque é fisicamente impossível miar e engolir comida ao mesmo tempo.
A Ness é também uma cagadeira ambulante. Gosta de cagar, o bicho. Julgo até que nasceu para isso, cagar. Há gatos que cagam por necessidade, porque tem que ser, senão morrem, mas a Ness tem gosto nisso. Dá para ver. Sinto isso nela, vá.
Tem o caixote cheio de areia. Frequentemente, pego na mini-incineradora que comprei em detrimento da máquina de tirar finos, atiro uma granada de gás lacrimogéneo para a marquise, para tornar o ambiente mais respirável, e atiro-me lá para dentro, histérico de nojo.
Atenção, não posso levar nada no estômago. Se levar, para além de limpar cocó, limpo vomitado.
Estou a ficar craque nestas coisas, reparo agora.
Limpo então o cocó, realizado. Em delírio, mesmo. A Ness zanza por ali, expectante, disfarçando que está atenta ao que estou a fazer. Fuma um cigarro, enrolado com os próprios pêlos, só para eu me convencer que ela está ali, de facto, mas é obra do acaso, podia perfeitamente estar no Algarve de férias, ou na sala, a ver o dvd do Garfield.
Tiro a areia, amálgama de cocó e xixi, perguntando a mim mesmo qual deles será o mais fétido.
Lavo o caixote.
Coloco areia limpinha, com grãos azuis, com aroma e tudo. Levanto-me e recomponho-me do nojo. Tenho uma ou outra quebra de tensão.
Nisto, A Ness lança o cigarro fora, ri maquiavelicamente, e salta para a areia, largando imediatamente um tarolo de caca, e um jacto de xixi.
Podia, saliento, ter cagado minutos antes. Não quis, deliberadamente.
Gosta de me fazer sofrer.
Tenho também um objecto para ela afiar as unhas. Que estou a pensar doar para uma instituição de caridade, porque ela não o quer usar.
Para quê, pensa ela, se este gajo estúpido que me pega ao colo e escova todos os fins de semana tem um sofá, onde faço o mesmo, e ele ainda berra que nem um doido e corre atrás de mim?
Bem visto.
A cáritas acaba de ganhar um afiador de unhas para gato.
Bom proveito.