O que eu mais aprecio é que me acordem cedo ao fim de semana, isto depois de me ter deitado às 4 da matina e de ter bebido metade do martini existente no Hemisfério Norte.

Então quando me acordam gentil e suavemente às 8 da matina de um Domingo com uma saraivada de foguetes, a 100 metros da minha casa, é, atrevo-me a dizer, um acordar orgásmico.


Então quando todo este circo se repete a uma 2ª feira de manhã, é sublime.

Mas nem sou eu quem mais prazer retira desta mescla de fumo, pólvora, barulho e estupidez.

Quem retira mais prazer disto é quem?

O fogueteiro.

O paneleiro?

Não, o fogueteiro, que é, também, vejam a coincidência, paneleiro.

Saliento que não conheço tal figura. Se ele passar por mim na rua não o conheço, a não ser que repare que tem um coto no lugar da mão direita, e, claro, a não ser que o vento a meu favor denuncie o cheiro a esterco e pólvora que o tipo há-de, decerto, emanar.

No entanto sei tudo acerca do homem, simplesmente pela maneira apaixonada com que manda os foguetes ao ar.

O tipo, chamemos-lhe carinhosamente Sobrino Gaitinhas, acorda cheio de vontade e diz: "Mãeeeeeee, vou mandar foguetes ao ceú, derivado de ser festa, hoje".

- "Vai mas é dormir, meu burro, que são 11 da noite. Dasse, é sempre isto, há 40 anos para cá. Todo o santo dia" - berra a mãe, enquanto recebe os 15 euros do 3º cliente da noite.

Finalmente, Às 6 da matina, o Sobrino acorda. E desata a correr para o recinto das festas.

"Ahhhhhhh, o raça do isqueiro, ficou em cima da botija do gás, mas não é da boa, é da que tem aquela fuga, aquela que faz brabulhas quando lhe faço xixi em cima. Ih ih ih.

Foi e veio em 2 minutos.

Pega no 1º foguete, nervoso.

Nisto chega o Toino Nervoso.

A orvalhada pára de cair, os pássaros páram em pleno vôo, o coração da velhinha centenária que mora ao lado da igreja pára. Até os movimentos de translacção que fazem a Terra girar* páram.


Todo o Universo conhecido fica expectante, à espera do desenlace daquele olhar erótico entre o Sobrino Gaitinhas e o Toino Nervoso.


E o que é acontece? Nada.


Todo o Universo conhecido suspira de desapontamento. Os pássaros retomam o vôo, a orvalhada recomeça a cair, até os movimentos de translacção que fazem a Terra girar recomeçam, mas ao contrário, só para confundir as pessoas.


O coração da velhinha permanece parado. Infelizmente, faleceu, e sem ver o final da novela Feitiço de Amor.


E é neste contexto de erotismo gay, de óbitos de gerontes, e de terror espalhado pelo planeta devido à simples constatação de que o Japão deixou de ser o país do Sol Nascente para passar a ser o país do Sol Poente, que o Sobrino lança o primeiro foguete.


Buuuum.


É neste momento que eu acordo, só de boxers, e grito: dasse, Helga, lá estás tu a largar bombas outra vez. Eu tenho uma casa de banho para isso, pá. Que estás tu aí em baixo a fazer, a meia altura do meu corpo? Deixa lá isso... não, espera, não deixes ainda isso.... isso, isso, não deixes ainda isso... ok, podes vir, que eu tenho que ir trabalhar.


Não tenho essa vida boa de escrava sexual que tu tens. Isso queria eu.


Por esta altura, já o Sobrino e o Toino descarregaram 2 camiões TIR de foguetes pelos céus de Condeixa, Coimbra, e Iraque.


E é também por esta altura que eu me lembro de pensar: mas qual será a finalidade desta gente, que lança centenas de foguetes às 8 da manhã de uma 2ª feira?


Será que acreditam, realmente, que as pessoas que nesse momento estão a dirigir-se para o emprego vão deixar de ir, só para irem comer uma fartura e cantar em uníssono todo o reportório do Toy e dos Diapasão?


Será que o Toino recebe 0,000001 cêntimos por foguete lançado e quer ganhar 50 cêntimos para estoirar numa cerveja?


Ou será, simplesmente, que são completamente idiotas?


* - Plagiei, como é evidente, parte da letra da música "Uma Arlinda mulher", dos saudosos Mamonas Assassinas.