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Momentos de uma colação de grau social (por acaso, a minha)

Nessa semana, tive a minha colação de Grau no curso de Licenciatura em Ciências Sociais. Foram anos corridos, com jornada quádrupla para dar conta bem, tanto que a sensação na semana foi mais de alívio do que de alegria, apesar dela aparecer. Porém, o tédio das solenidades pode deixar o olhar mais atento (diria agora, formado, que poderia ser exercício de imaginação sociológica...) para o que o cotidiano quer mostrar. Coisas interessantes acontecem em uma colação de grau social.

É comum que turmas se organizem e combinem com a instituição de ensino superior ou recebam uma data preestabelecida para esse ritual (que com um negócio sobre a cabeça inclinada com autoridade dizendo "confiro grau" fica bem religioso...). Porém, quando não ocorre o evento com a turma costuma ser na reitoria com estudantes misturados de diversos cursos. Literalmente, no meu caso, de A a Z (Administração a Zootecnia). Cerca de 70 pessoas. 
Reitor, de azul

Essa variedade de curso e o número de formandos trazem algumas implicações relevantes para o que é se formar em uma Universidade pública no século XXI. Durante a fala do vice-reitor, ele fez questão de saudar uma estudante travesti (que simpaticamente gritou "um beijo para as travestis!" ao pegar seu canudo), estudantes de diversas cidades do interior (que pediu que se levantassem para mostrar a relevância da universidade pública integrando oportunidades de estudos), estrangeiros, mostrando como a interiorização e o acesso gratuito têm um peso social incalculável.

Como me formei em uma turma do curso semipresencial, foi interessante não terem sido mencionados estudantes à distância. Afinal, o diploma é igual, sem distinções para evitar qualquer tipo de discriminação e porque a gestão e o projeto pedagógico são semelhantes aos cursos presenciais oferecidos.

Mas, voltemos ao que falou o vice-reitor um pouco. Saudou o respeito à identidade de gênero seja qual for (e não houve risos mas apenas aplausos àquele grito da estudante), classe social, origem, etnia e interrompeu sua fala para pedir que fosse à frente uma estudante de Guiné-Bissau, formada em Direito, para pedir desculpas por não ter o hino do seu país para ser cantado no começo da cerimônia.

Cumprimentos à graduada de Guiné-Bissau
Além disso, mencionou sutilmente que toda manifestação de "rebeldia" (e acenou para estudante à sua frente) era respeitada, como liberdade de expressão. Um formado em Ciências Biológicas exibia um visual de protesto (imagine e é isso aí) com óculos vermelhos, sendo único que não se levantou na hora de cantar o hino do país, manteve o punho cerrado na hora do juramento (uma funcionária forçou que abrisse o punho mas educadamente ele cochichou a razão no ouvido dela e ficou por isso mesmo), e agitava as mãos em vez de bater palmas quando aplaudir não interessava. Era desobediência civil? Má educação? Pirraça pós-adolescente? Importa apenas que não precisou se justificar em nenhum gesto e foi respeitado na sua manifestação solitária e silenciosa, respeitando o que era obrigatório na solenidade. 

A universidade pública tem suas curiosidades. Fomos expressamente proibidos de sair com os simpáticos canudos porque "a universidade só tem esses" dizia a funcionária que gritava orientações diante da interminável fila de graduados que esperavam para entrar no auditório. Deviam ser devolvidos após colar grau e trocados por uma certidão. Devido a uma reforma no auditório da reitoria, usamos um auditório menor e menos solene do centro de convivência, com fotógrafos se atropelando para cumprir seus contratos e uma quantidade imensa de parentes de graduados. Fui e voltei só, mas com toda felicidade de parentes e amigos que acompanhavam "onlinemente" a situação inteira. 

O canudo simpático
Mas, os oradores que tivemos, três, eram um diferencial interessante. Respectivamente, graduados em Ciências Contábeis, Engenharia Civil e Filosofia, destacaram ser de um campus do interior sendo primeiro da família a se graduar e precisando se deslocar para a capital para ter sua colação de grau; o peso do assédio moral de colegas e professores no dia a dia sendo algo que a universidade precisa intervir; e, no caso de Anobelino Martins, formado em Filosofia, o momento mais precioso. Com discurso que já levou pronto (conheço ele, não me convence que seria improviso) ofereceu-se naquela fila infame para ser um dos oradores. Lembrou o esforço dos pais, pernambucanos migrantes para São Luiz do Quitunde, de sertão em sertão na pobreza e na lavoura mas com todo esforço para que todos os sete filhos pudessem se formar, estudando o que sonhavam, e ele repetia carinhosamente que pôde escolher Filosofia. E por que falar tanto no simpático canudo? Anobelino lembrou bem que a ausência do diploma não pesava, afinal era uma representação do canudo, como a colação é representação do fechamento de um ciclo e estarmos ali era a representação de um ambiente familiar, de uma integração para mostrar os fins da universidade. Falou bonito. 

Anobelino

Dizia o vice-reitor que formam 2.700 estudantes por ano, com 10% do orçamento de anos atrás e diversos esforços diários para que recursos sejam liberados. Mesmo assim, era visível do lado de fora o empenho para a realização da reunião da SBPC, pela primeira vez em Maceió. A teimosia da ciência não para, não adianta o presidente incomodar. A propósito, ninguém gritou "Fora Temer", senti falta...

Este blog começou como organização das ideias durante o Mestrado em Sociologia, estudando movimentos sociais e falando sobre eles por aqui, há uns 10 anos (sempre erro quando começou exatamente). Agora, completo esta formação com a graduação em Ciências Sociais e voltando na monografia para a conclusão do curso a estudar ideologias de determinado tempo. Se um ciclo que se fecha ou que se renova, depende da perspectiva adotada. Porém, poder ver tantas implicações em três horas lentas e cansativas de solenidade é consequência desses quatro anos de aprendizado e dessa estrada que vai ganhando novos tijolos.




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