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‘Pandemia no Brasil começou com três cepas do coronavírus’, diz o pesquisador de Oxford

André Biernath – BBC News Brasil em São Paulo

postado em 15/11/2020 08:52

(crédito: AFP / VATICAN MEDIA)

“Se eu dissesse que sempre pensei em trabalhar com dinâmica de transmissão de doenças infecciosas ou epidemiologia genômica, estaria mentindo.”

Foi assim que Darlan Cândido começou a contar sua história na área acadêmica. Graduado em farmácia pela Universidade Federal do Ceará, o foco inicial de suas pesquisas na pós-graduação foi a reação do sistema imunológico e cardiovascular durante a infecção pelo protozoário. Trypanosoma cruzi, a causa da doença de Chagas.

“Não me identifiquei com o trabalho, não fiquei feliz. Faltava algo relacionado à saúde pública”, lembra.

A sua vida mudou quando conheceu o cientista português Nuno Faria, professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, instituição onde Cândido faz o seu doutoramento. “Foi tudo muito aleatório e inesperado. Acabei mudando o projeto e o orientador”, conta.

Hoje, Cândido faz parte de uma equipe de especialistas que investiga as mutações genéticas que um vírus acumula para entender sua disseminação por diferentes cidades, estados e países – como você pode imaginar, esse conhecimento é de vital importância em uma pandemia como a que estamos vivendo em 2020.

“Analisamos todas as mutações pelas quais um determinado vírus passa para determinar como ele se move e como se transmite no tempo e no espaço”, explica.

O trabalho já rendeu frutos importantes: em junho, Cândido e uma equipe de mais de 50 pesquisadores escreveram um artigo que revelava como o Sars-CoV-2, coronavírus responsável pela atual crise de saúde, entrou e se espalhou pelo Brasil.

Posteriormente, o trabalho foi revisado por pares e publicado na prestigiosa revista Science.

Um esforço de restauração

Para conhecer os caminhos do covid-19, os cientistas sequenciaram o genoma de 427 amostras obtidas de pacientes espalhados por todas as regiões do país.

A partir dessa informação, eles compararam os genes e observaram mutações pequenas, quase insignificantes, que ocorreram no vírus. A partir disso, foi possível entender como ela se espalhou para outras pessoas e para várias cidades e estados.

Vamos dar um exemplo hipotético: imagine que uma pessoa (vamos chamá-la de paciente X) está infectada com Sars-CoV-2 e a análise genética revela que esse vírus tem uma pequena alteração sem precedentes nas letras que compõem seu código genético. Para facilitar, vamos chamá-la de mutação Y.

Imagine agora que o estudo de outras amostras, retiradas de indivíduos que contraíram o coronavírus posteriormente, apontem para essa mesma “mutação Y” no genoma. Pode-se inferir, portanto, que o paciente X de alguma forma transmitiu o vírus, criando uma nova cadeia de transmissão.

Ao comparar centenas de genomas, essas relações são estabelecidas para criar um mapa da dinâmica de transmissão. Assim, os cientistas são capazes de compreender o comportamento e os fluxos de um surto, epidemia ou pandemia em um determinado local.

E o que aconteceu em covid-19?

Um dos achados mais curiosos do trabalho é o fato de que, até onde se sabe, a pandemia começou a se espalhar no país por meio de três cepas principais, provenientes de pessoas que estavam na Europa e voltaram de viagens já infectadas.

“No total, chegaram cerca de 100 pessoas com o vírus. Como o mundo já estava em alerta, a maioria foi identificada e isolada a tempo. Mas alguns escaparam e começaram as cadeias de transmissão no país”, explica Cândido.

Outro dado importante: o vírus já estava em circulação no Brasil antes da confirmação oficial do primeiro caso, em 26 de fevereiro. “É provável que esse coronavírus tenha chegado uma semana ou alguns dias antes dessa data”, diz o cientista.

A primeira região a ser afetada foi a Sudeste, com destaque para São Paulo. Dali, o patógeno saltou para as capitais e passou por um processo de interiorização, no qual afetou (e continua afetando, digamos) pequenas cidades, com menor capacidade de resposta à emergência sanitária.

Isso não significa, porém, que o Estado de São Paulo era a única porta de entrada para o covid-19 em território nacional. “Observamos novas introduções independentes em outros lugares. Existe uma rede de transmissão que é específica do Estado do Ceará”, exemplifica Cândido.

Com as informações disponíveis no momento, ainda não é possível saber se o Brasil teve um papel importante na disseminação da pandemia para a América Latina. “Além disso, como temos poucas amostras do Norte e Nordeste, precisamos entender melhor como se deu a dinâmica de transmissão por lá”, pondera a pesquisadora.

Poderia ter sido muito pior (ou muito melhor)

No artigo publicado na Science, os autores defendem a ideia de que o Brasil não estava preparado para conter a pandemia: “As intervenções atuais ainda são insuficientes para manter a transmissão do vírus sob controle no país”, escrevem os especialistas.

No mesmo trabalho, Cândido analisou mais de perto o que aconteceu nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e constatou como as medidas de contenção ajudaram a retardar a progressão dos casos de covid-19 nesses locais.

O número básico de reprodução da doença – conhecida como R0 – subiu para 3 nessas capitais do Sudeste. Em outras palavras, isso significa que um único indivíduo infectado transmitiu o vírus a três outras pessoas.

Com a adoção de estratégias preventivas, como uso de máscaras e isolamento social, esse índice ficou entre 1 e 1,6. Isso significou uma redução da metade ou quase dois terços nas médias de contágio.

Esta constatação pode significar duas coisas: numa visão otimista, a situação poderia ter sido muito pior (pelo menos nestes dois municípios) se o comércio, as escolas e outros estabelecimentos continuassem a funcionar como antes.

Do lado pessimista, é possível dizer que poderíamos ter feito muito mais. “O índice de mobilidade urbana nesses locais ficava em torno de 50%. Nos locais onde as medidas eram mais rígidas e havia um confinamento nacional, a redução de casos foi maior ”, compara Cândido.

Lições para o futuro

Embora não tenhamos uma vacina ou um remédio seguro e eficaz, não há maneiras de acabar com a pandemia. O que o mundo pode fazer no momento é minimizar os danos por meio de ações e políticas públicas que reduzam o número de novos casos e mortes.

A segunda vaga, que parece estar a todo vapor na Europa, é algo que possivelmente iremos experimentar aqui em breve. “O vírus depende da mobilidade e do contato humanos. Portanto, com um novo aumento nas taxas de infecção, medidas mais drásticas de restrição precisarão entrar em cena”, vislumbra Cândido.

De forma mais ampla, o cientista brasileiro acredita que a crise com o coronavírus pode trazer outras lições no longo prazo. “Precisamos investir em ciência e inovação no Brasil. Só assim poderemos dar respostas rápidas às novas vagas que surgirão”.

Cândido também chama a atenção para a importância do SUS nesse contexto. “Ao contrário de outros países, temos a sorte de ter uma rede pública de saúde. Se não tivéssemos essa estrutura, estaríamos numa situação muito pior agora”.

Conhecer os caminhos de covid-19 nos ajuda a traçar a história da pior pandemia em décadas e a entender como ela se infiltrou no país. Informações como essa podem fazer toda a diferença no combate às futuras pandemias que veremos a partir de agora.



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