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De tudo um pouco


Igual é a vida: alegria, tristeza, um bocado de derrotas, uma vitória aqui e ali empurrando a Gente, não deixando a gente derrubar a peteca...

Outro dia minha Lolinha falou assim prá mim:

-"Mãe, você tem que parar de ficar contando histórias tristes no blog, fica parecendo que na tua vida só teve tristeza - cruz credo! Conta algo engraçado, prá variar..."

Eu não vejo assim - prá mim as coisas que eu conto, mesmo quando são tristes, tem aquele saborzinho doce que mistura superação com saudade...

Bom, mas... sei lá... 

Vasculhei o baú de memórias prá trazer uma totalmente feliz, na qual desafio alguém a chorar!

Eu cursava o primeiro ano do segundo grau na Escola Estadual Nossa Senhora da Penha - aqui no meu bairro carinhosamente conhecido como "O Estadual" - muito embora todas as outras escolas também sejam estaduais (o Barão de Ramalho, o Esther Frankel, o Guilherme de Almeida... - todos bem próximos, aliás...).

Eu era praticamente inseparável de três meninas - minhas melhores amigas do Universo inteiro:

Wilma - que era altona, Tinha enormes olhos verdes, uma cabeleira castanha exuberante e era muito boa em vôlei. Era pobre como eu, de marré-marré...

Hercília - descendente de japoneses. Tinha um senso de humor único, tava sempre rindo, fazendo graça, de bem com a vida como eu nunca vi...

Marisa - pequenininha e muito bonitinha, a mascote. Era meio patricinha, o pai era diretor de uma escola perto da casa dela (que era enorme e linda!), a mãe era professora. Era super paparicada pelos pais e mais pensava em namorar do que em qualquer outra coisa. Era dois anos mais nova do que a gente pois, como os pais eram professores, colocaram a pobrezinha na escola dois anos antes...

Tudo a gente fazia juntas: estudar, assistir a educação física dos meninos, cabular aulas prá ir no cinema (matinê do cine São Geraldo, dois filmes pelo preço de um - e, quando calhava de um deles ser pornô, com peitos e bundas aparecendo, aí é que a gente se divertia: ríamos de tudo e a bagunça era tanta que era sempre por um triz que a gente não era expulsa do cinema...).

E a coisa era mais ou menos assim: eu era o gênio da turma, a das ideias, a das notas altas. Puxava as outras, ajudando a estudar e passando colas. Mas o fato é que, sem elas, eu não era nada: entrava muda e saía calada. Tímida de fazer dó, uma timidez patológica.

Bom, chegou o dia da gente fazer um trabalho de Inglês misto com Educação Artística: as duas professoras se uniram e decidiram que a nota daquele bimestre ia ser a gente escrever e interpretar uma peça EM INGLÊS.

-"Danou-se!" - a gente pensou! "Como é que a gente vai fazer isso, meu Deusinho do Céu!!!"

Eu pensei, pensei... E pensei. Tinha duas coisas que iam ser um entrave: primeiro de tudo tinha que ser algo que fosse fácil de ser decorado. Não podiam ter falas longas, palavras complicadas...

Segundo: a pronúncia. A gente não podia pedir ajuda prá ninguém - prá ensinar a gente a pronunciar palavras que a gente não conhecia. Isso parece coisa boba, mas não era: eu escrevi a peça em português e, com a ajuda do dicionário, fui traduzindo tudo - e algumas palavras eu nunca tinha ouvido ninguém pronunciar...

Levamos semanas lendo e relendo, decorando tudo. Era difícil, minhas amigas ora se apavoravam, ora não levavam a sério...

A peça que eu escrevi era um conto de fadas: havia uma bruxa muito má e feia (interpretada magistralmente por mim - diga-se de passagem...), havia um ogro corcunda, braço direito da bruxa (minha amiga Wilma, arrastando a perna e apenas dizendo "Dãããã" o tempo todo - não consegui fazer ela decorar nada...), um príncipe (minha amiga Hercília, que só tinha uma fala na peça toda...) e uma princesinha (a Marisa disse que preferia tirar nota zero do que fazer papel de feia, então ganhou prá ser princesa na marra... ela namorava um dos garotos da sala e queria que ele a visse vestida de princesa - pode???).

Nossa caracterização foi ótima: A Wilma vestiu um terno velho do pai dela, que lhe deixava à mostra as canelas finas, enquanto calçava nos pés um sapato masculino tamanho 40. Pintei a cara dela com pomada hipoglós, desenhei de canetinha por cima um montão de rugas e escondi seus cabelos numa touca preta, bem apertadinha - ela ficou ótima... Ainda lhe prendi uma almofada nas costas, por dentro do paletó, prá servir de corcunda... 

A Marisa, que não abria mão da beleza, vestiu seu vestido longo de formatura de ginásio, todo branco e rendado, se maquiou lindamente e usou na cabeça um chapéu longo e pontudo forrado de cetim branco (feito por mim), com um pedaço de véu esvoaçando da ponta, bem medieval... 

A Hercília vestiu uma meia-calça de lã, um par de sapatos brancos de bico fino da mãe dela, o calção vermelho franzido da educação física e uma capa, também vermelha, mais um chapéuzinho estilo Robin Hood - mas o melhor mesmo foi a peruca. Como eu falei antes, a Hercília era japonesinha: colocamos nela uma peruca loira curta, de cabelos encaracolados, que pertencia à mãe da Marisa - ficou incrível, bem principesca mesmo. 

Mas não tem como negar que o melhor disfarce foi meu: usei um vestido preto de luto que minha mãe tinha, que me ficava na metade das canelas (que precisava de cinto prá ajustar na cintura - fiquei sem cinto, com o vestido todo soltinho mesmo). Meu amigo Carlinhos tinha uma tia que era cabeleireira: ele arrumou emprestado uma peruca longa e negra, de cabelos naturais, que quase chegava no meu bumbum, de tão grande... Fiz prá mim, de papel machê, um longo nariz curvado prá baixo e um queixo longo e pontudo - pintei no tom mais próximo da minha pele e fiz furinhos de cada lado de cada peça, nos quais coloquei elástico fininho branco - lastex (de longe não dava prá se ver o elástico e escondia meu rostinho tímido completamente...). Fiz um chapéu de bruxa todo requenguela e pintei de preto, pequei emprestado (com o Carlinhos também...) um óculos escuro de gatinho cheio de strass e assim escondi até meus olhos. Calcei duas meias listradas de cores diferentes e, por fim, usei dois sapatos velhos do meu pai. Fiquei irreconhecível e, estando assim, mandei a timidez prá casa de chapéu!

Noventa e nove por cento das falas eram minhas: eu precisava de um coração de princesa, das bem bonitas, prá fazer um feitiço e reverter minha velhice e feiúra, então eu capturava a Marisa, amarrava numa árvore enquanto aquecia o caldeirão. Eu murmurava feitiços, jogava pragas ao vento, mexia o caldeirão, dava risadas longas e fantasmagóricas e pulava pelo palco igual uma macaca... A Marisa gritava "Help!" o tempo todo, fazendo caras e bocas e o príncipe, que só apareceu na hora H (quando eu ia fincar uma faca no peito da Donzela e finalmente arrancar o coração dela...), gritou "Stop!" e, depois de me perseguir pelo palco alguns segundos, me matou sem dó nem piedade com sua espada (também feita por mim... ).

A hora da minha morte foi um caso à parte: estrebuchei que foi uma beleza. Era só gente gritando: "Morre, desgraçada!", porque eu volta e meia dava uma tremelicada, soltava um grito e o príncipe vinha me golpear mais uma vez...

A peça foi um sucesso tão estrondoso, mas tão estrondoso, que as duas professoras nos deram a nota máxima e nos pediram prá apresentar pro colégio inteiro, prá todas as classes, de todos os períodos! 

Recebemos tantas palmas, tinha gente assobiando, gritando - foi tão bom...

Uns poucos dias depois as pessoas ainda falavam da peça, cumprimentavam a Marisa nos corredores quando a encontravam, davam parabéns prá ela...

Alguns garotos da nossa classe, que ficaram em segundo lugar, tentaram fazer as professoras revogarem nossa nota: disseram que a nossa peça era uma palhaçada, que só uma das alunas realmente tinha falas (enquanto as outras meramente balbuciavam uma coisa ou outra...) e que, no contexto geral, a peça deles era mais inteligente.

Pior que era. A peça deles era uma coisa de mistério, meio Sherlock Holmes, com um assassinato, vários suspeitos, falas longas bem pronunciadas, todo mundo trabalhando em uníssono - muito boa. Só que era chata. Quem não entendia de inglês ficava divagando, conversando besteira com a pessoa do lado, não prendia a atenção.

Não puderam competir com as minhas macaquices... A nota máxima foi nossa mesmo.

Mais ou menos uma semana depois eu estava subindo a rampa do colégio junto com minhas amigas e ouvi alguém dizendo assim:

-"Gente, olha a turma da princesa! A japonesinha que tava de peruca, a comprida só pode ser o ogro e... Gente, aquela ali é a bruxa!!!" "Bruxa, você foi genial!!"

Me descobriram - meléca. Graças a Deus meus 15 minutinhos de fama não ultrapassaram os portões do colégio e se foram rapidinho - cansei de ficar vermelha igual um pimentão...

Ah, que grande atriz perdeu o mundo por causa da minha timidez...

Só prá você lembrar, Lolinha da minha vida, que nem só de lágrimas foi o caminho da tua velhinha...


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