Get Even More Visitors To Your Blog, Upgrade To A Business Listing >>

Entendendo o Kosovo

Não espanta que o país mais novo da Europa fique nos Bálcãs, uma região famosa pelos conflitos políticos, militares, econômicos, étnicos, religiosos... Tudo contribui para que que seja difícil entender a história e a geografia deste novo país (aqueles que dizem que "o Brasil não é para principiantes" não devem conhecer os Bálcãs e certamente não andaram visitando o Kosovo).
17 de fevereiro de 2017,
9º aniversário da declaração de independência do Kosovo
Bem, nós visitamos. E, ansiosos por conhecer o ponto de vista deles, perguntamos a um kosovar se ele nos recomendava algum livro a respeito. Recebemos a indicação de "Kosovo: a short history", de Noel Malcolm. Porém, acabamos nos assustando ao descobrir que o livro tinha quase 500 páginas de letras pequenas - se a short history é grande assim, imaginem a versão longa! Enfim, já sabíamos, o tema é mesmo complexo. (No final, acabamos comprando outro livro sobre o Kosovo, quase do mesmo tamanho mas englobando aspectos de geografia e economia, além de "The Balkans: nationalism, war and the great powers", de Misha Glenny, jornalista que, depois de cobrir a queda do comunismo na Europa e as guerras da Iugoslávia, sintetizou a história balcânica em "apenas" 800 páginas).
Na época da Iugoslávia, dizia-se que o país tinha 7 fronteiras, 6 repúblicas, 5 nações, 4 línguas, 3 religiões, 2 alfabetos e 1 dinar (a moeda). Uma mistura, convenhamos, de fazer corar qualquer pretensa diversidade de outros países. Pois bem, o problema do Kosovo é que, embora fizesse parte da Iugoslávia, ele não estava representado nesta anedota (e nem em outros aspectos do país). Iugoslávia significa, literalmente, o "país dos eslavos do sul" (bósnios, croatas, eslovenos, macedônios, montenegrinos e sérvios, todos povos de origem eslava). Já o Kosovo é uma região de população em grande parte albanesa (não-eslava), que fala uma língua completamente diferente das demais. Note-se que é, mais uma vez, uma situação bem diferente do Brasil: para nós, a noção de nacionalidade está ligada basicamente à porção de terra em que se nasce, mas, nesses lugares de fronteiras frágeis e cambiantes, o sentimento de nacionalidade está ligado à família e aos laços étnicos (cultura, língua, religião); o local de nascimento é quase irrelevante. Assim, na maioria dos casos, um kosovar é um albanês em quase todos os aspectos e, andando pelo país, vê-se tantas bandeiras albanesas quanto kosovares.
Durante a existência da Iugoslávia, pode-se dizer que havia uma convivência relativamente pacífica entre as diferentes etnias; com o esfacelamento do país, cada uma das antigas repúblicas (eslavas) foi se separando, em geral à custa de sangue. O território do Kosovo era reclamado pela Sérvia por razões históricas (aquelas foram terras eslavas durante períodos que os sérvios consideram relevantes, e importantes igrejas sérvias se encontram lá), embora a maioria da população fosse kosovar-albanesa.
E aí o xis da questão: culturalmente, os kosovares têm muito mais em comum com os albaneses que com o restante dos ex-iugoslavos. Assim, o Kosovo lutou e conseguiu sua independência - não sem derramar sangue. Porém, é uma independência relativa: a Sérvia não aceita a independência e continua reclamando seu direito sobre o território. É apoiada pela Rússia, que por sua vez é seguida pelos demais BRICs (incluindo o Brasil) e por alguns outros aliados. Do outro lado, o grande aliado do Kosovo é os Estados Unidos, que vê na história toda uma oportunidade de uma base de influência naquela região de confluência entre a Europa e a Ásia. Como os Estados Unidos, naturalmente, são ladeados por países do bloco ocidental (particularmente os da OTAN), pronto: está feita uma reedição em miniatura da Guerra Fria.
Na prática, ao caminhar pelo Kosovo, não se vê marcas de guerra tão intensas quanto as que ainda estão presentes na Bósnia; por outro lado, vê-se muitos prédios abandonados, em ruínas; vê-se a desconfiança mútua entre sérvios e albaneses (igrejas e bolsões sérvios são cercados e protegidos pela polícia); e vê-se um país que está claramente começando a engatinhar na experiência da independência. Como criança recém-nascida, a precariedade da sua condição e a necessidade de ajuda externa são gritantes. Há muita sujeira nas ruas. E, no entanto, há um orgulho contido, uma vontade de crescer e uma cultura definitivamente rica.


This post first appeared on Cartas De Tantas Léguas, please read the originial post: here

Share the post

Entendendo o Kosovo

×

Subscribe to Cartas De Tantas Léguas

Get updates delivered right to your inbox!

Thank you for your subscription

×