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Clericalismo Eleitoral

Sobre como instituições religiosas manipulam o processo decisório nas eleições para reforçar seu poder e como a legislação eleitoral pode (e deve) consertar essa distorção.  



A história de um brasileiro num domingo de sol

Daqui a poucos dias, um dos muitos milhões de brasileiros acordará num domingo atípico. Além do usual videogame, praia, churrasco ou descanso com a família, ele cultivará uma preocupação extra: enfrentar fila numa das instituições preparadas para a votação, apresentar identidade, assinar um papel e digitar números num computador.

Esses números, dizem, determinarão o futuro de seu país. Se ele votar “errado”, o dinheiro dele e o de todos os seus colegas de nação serão escoados para contas ilustres na Suíça. O país afundará em depressão. Ele não terá emprego, não poderá comprar o boneco do Hulk tão desejado por seu filho, talvez tenha até que mudar de casa e se afastar de seus amigos.

Se ele votar “certo”, por outro lado, todos seus sonhos se realizarão. Ele vivenciará um novo emprego administrando uma grande obra que, somada a muitas outras, promoverá o progresso de seu país. Os alimentos serão baratos, pois os campos produzirão todo tipo de alimentos. O boneco do Hulk será pouco; seu filho terá todos os Vingadores, em quantas roupas especiais quiser. A pujança se estenderá sob seus olhos, como numa profecia.

Como numa profecia...

O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância. João 10:10

Utopias e Distopias

Em quem, eu pergunto a você, este brasileiro deve confiar para evitar o futuro distópico e abraçar o utópico? Quando cada um dos elegíveis a cargos políticos alardeiam igualmente a ilusão que eles próprios são o caminho para a utopia e seus adversários o da distopia?

Enquanto alguns poucos cidadãos utilizarão critérios iluministas para refletir o que entendem ser melhor para a sociedade no momento e, por conseguinte, procurarão o candidato cujas propostas mais se adequem a seu próprio modelo, a maioria dos brasileiros estará preocupada em votar no político “bom”.

Nessa hora, o pensamento religioso lhe dá uma força: se um candidato está alinhado com entidades as quais desde muito cedo este brasileiro aprendeu a confiar, respeitar e até mesmo temer, ele será o candidato “certo”. E, se um dia não gostar mais dele, será porque “na verdade ele não estava com Deus”. Se estivesse, faria tudo certo.

Mais uma vez exponho: não tenho problema com crenças individuais. Até mesmo as aprecio. Porém não podem as crenças emprestadas, vendidas, servirem de cavalo de troia para, uma vez presentes nos cérebros da sociedade, induzi-los a equívocos graves em seus processos decisórios, para benefício de algumas pessoas ligadas às instituições que as proliferaram. 

Um processo juridicamente viciado


Às vezes tenho a impressão que passamos a aceitar essa ilusão como natural, como se fosse normal num processo eleitoral que pessoas sejam escolhidas por critérios irracionais.

Porém essa é a maior ameaça ao conceito democrático: se um eleitor escolhe o político A em vez do B, pelo motivo de que o político A está amparado por entidades alheias à realidade objetiva, esta escolha está juridicamente viciada por dois motivos, um pior que o outro:

1-     Erro sobre a natureza do processo eleitoral.
2-     Erro sobre a natureza do candidato escolhido.

Numa atividade da vida civil, como por exemplo na compra de um objeto, a escolha seria juridicamente anulável em função desse vício. Um consumidor que adquire uma televisão porque o vendedor garantiu que ela era aprovada por Jesus poderia buscar a anulação da venda.

Como é possível que aceitemos então, tão facilmente, esse mesmo erro, sem possibilidade de anulação, para a posse em cargos públicos de pessoas que terão enorme influência na nossa vida em sociedade?

 
Proposta de lei

Para que possamos chegar perto de uma democracia, ou seja, de um governo cujas atitudes emanem de reflexões conscientes dos governados, precisamos exercer forte pressão cultural para eliminar as decisões impensadas. Os votos a quem é “bom” ou a quem “está com Deus”.

De modo a atiçar essas discussões, com a esperança de que ideias muito melhores seguirão, proponho abaixo lei que ao menos minimizaria, no futuro, os efeitos nocivos do clericalismo eleitoral.


LEI Nº xx.xxx, DE xx DE xxxx DE xxxx.

Dispõe sobre a vedação do uso de símbolos, imagens, impressos e discursos de cunho religioso vinculados a campanhas eleitorais, alterando a Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o  A Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 38-A. É vedado o uso em propaganda eleitoral de símbolos, imagens, formas de tratamento e frases diretamente relacionados a crenças e instituições religiosas, em quaisquer dos materiais de campanha, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIRs.” 

“Art. 39. .............................................................................

.............................................................................................

§ 13.  É proibido, em qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, o abuso de referências a crenças e instituições religiosas que possam induzir o eleitor a erro sobre o processo eleitoral” 

Art. 2o  O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções objetivando a aplicação desta Lei às eleições a serem realizadas no ano de 2016 e eleições subsequentes.

Art. 3o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,  xx  de  xxxx  de xxxxx; xxxxo  da Independência e xxxxo da República.


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