Capitulo 24

- Poxa! Agora?

Reclamou Júlio ao encontrar Agatha no movimentado corredor da faculdade, na saída da sua última aula, já a caminho da sala dos professores.

- Desculpa. Tive que resolver problemas.

- Problemas? Tá! – Relevou. – Ok, tudo bem. O importante é que você está aqui. Mas tudo isso só me faz preocupar, mais ainda. Eu estou tentando falar contigo faz tempo!

Agatha o observa atentamente. Teve um dia atribulado desde a manhã e terminando com uma atarefada reformulação de toda a sua loja. E depois do encontro com Eduardo Caetano muitas coisas novas começaram a acontecer em sua percepção.

Estranhamente começou a notar que as pessoas emitiam uma iluminação que não interferia no ambiente, não causava sombra ou ofuscamento. E cada um tinha uma intensidade, uma extensão e variadas cores que os diferenciava tornando impossível ver dois iguais com estas mesmas características.

Podia até se imaginar maluca por estar assim, mas lembrou-se de Eduardo e o tal dom que ele havia dito que possuía. Por isso começou a aprofundar em seu novo talento, pois tinha um encontro com o proprietário da Tiffany & Co. no Brasil na próxima noite e queria fazer todas as perguntas possíveis.

- Agatha! Por que está me olhando assim?

Sua namorada o analisava com o olhar. Notou que o soar de cada frase interferia instantaneamente em sua radiação. Em certos momentos até o silêncio da iminência da fala já era um fator incidente na vibração.

- Nada.

- Tem certeza? Parece que você está tentando ler a minha mente.

- Ler sua mente? Pra quê? – Agatha fez um sorriso irônico. – Não preciso disso.

Júlio diminuiu a velocidade do seu caminhar tentando encontrar sentido nas palavras de sua companheira.

- Você está bem? – Pegou a sua mão para recriar uma segurança.

- Sim, estou. Mas preciso ir. Vim para te ver e te explicar o ocorrido. Você sabe, minha mãe...

- Sim, claro. – Parou a frente da porta da sala. – Amanhã teremos mais tempo.

- Então, Júlio, amanhã não poderei vir.

- Como assim? Dois dias seguidos! Por quê?

- Tenho um compromisso.

Sentindo a tensão do assunto e extensão da conversa puxou Agatha alguns passos adiante de forma que pudessem conversar sem que alguém pudesse ouvir a conversa.

- Mas que compromisso é esse? Não me contou nada!

- É por que surgiu hoje.

- Hoje como?

Agatha notou a tonalidade púrpura tomar conta de sua luz.

- Recebi um convite para uma festa.

- De quem?

- Ah, Júlio! Pra quê tantas perguntas? Até agora não me disse onde foi ontem à noite. Não me avisou, não respondeu minhas chamadas. E, pra falar a verdade, prefiro nem saber!

Neste instante sua luz perdeu potência.

- São situações diferentes.

- Mas pra mim não é. Diferente é a nossa forma de reagir. Eu falo tudo, até por que não é nada demais. Se você quer fazer cena de ciúme por causa disso acaba perdendo a razão.

- Não é ciúme. É preocupação. São dois dias seguidos que falta as suas aulas e eu estou com saudade. Afinal, que festa é essa?

- Olha, Júlio, fui convidada pelo dono da loja Tiffany's do Iguatemi para o lançamento da nova coleção de joias na Delphos. E é uma oportunidade que não vou deixar passar.

- Você quer dizer que o dono da Tiffany's te convida para ir na festa de lançamento das joias dele na boate mais badalada da cidade assim, do nada?

- Isso mesmo!

Júlio movia a cabeça incrédulo nas palavras de Agatha.

- Quem mais vai?

- Só eu.

O tom avermelhado retoma a dominância das cores.

- Ah, essa não! Eu vou com você!

- Ah, tá! E você pode faltar duas vezes na mesma semana no seu trabalho? Sem chance! E também não posso levar alguém comigo. Cabe a você confiar em mim ou não, você que decide.

Júlio se conteve para não transparecer a raiva que lhe consumia vendo que suas opções eram mínimas e todas desfavoráveis.

- Espere, eu vou lá dentro e quando voltar a gente continua a conversa. – Sugeriu já a frente do acesso restrito dos professores.

Era o tempo que ele precisava para refletir sem ser analisado por aquele olhar penetrante e também sem ser desafiado em sua suposta autoridade masculina. Ele também notou que a aura de Agatha estava mais organizada e intensa, reduzindo sua influência sobre a dela.

- Não! Tenho que ir! Minha mãe, esqueceu?

- É rápido! Me espera!

Agatha ficou imóvel com a sua insistência.

- Júlio Dantas?

A pergunta veio de um homem que se aproximava do casal em passos lentos e calculados com o olhar atento a todas as reações. Quando se postou a frente dos dois estendeu a mão para o cumprimento.

Júlio puxou de sua memória o rosto e a voz daquele homem e boas lembranças não foram o que lhe trouxeram.

- Sim.

- Desculpe vir a esta hora. Sou o investigador Renato Borges da Homicídios. Você tem um minuto para conversarmos?

Constrangido, Júlio alternava rápidos olhares entre os dois à sua frente. Agatha ficou surpresa com a apresentação do homem.

- Olha, não é um bom momento. – Tentou disfarçar o casual encontro para a sua namorada. – Pode ser outro dia?

- Me desculpe Júlio, é apenas uma ou duas perguntas e meu trabalho está terminado. Podemos falar a sós?

Agatha ficou intrigada. Notou a luz intensa que vinha do agente. Era um belo conjunto de cores vivas e vibrações harmônicas. Um contraste enorme com o que vinha de seu companheiro. Ela sabia que não era bom entrar na sua vida particular, mas ele havia lhe dito para ficar.

- É melhor você ir. Nos vemos amanhã. Ou melhor outro dia – lembrou-se do compromisso dela.

Agatha cerrou o olhar para Júlio.

- Segredos... – Murmurou antes de se virar e ir.

- Achei que vocês já tivessem concluído aquele caso. – Comentou assim que Agatha já estava distante.

Júlio estava muito desconfortável recebendo aquela visita inesperada em seu local de trabalho. Além de estragar sua reaproximação com Agatha, deixou exposto algum tipo de inconveniente ao imaginário dela.

- Para seu esclarecimento, o caso ainda está aberto. O que nós concluímos foi que, ao seu respeito, está descartado como suspeito.

- Então, qual o motivo de você estar aqui?

- Investigamos a sua ligação com a vítima Isabela Soares, sua ex-aluna e ex-namorada. Todas as linhas de investigação e evidências recolhidas descartaram sua participação no crime.

- Isso você já me disse.

- Sim, mas um novo homicídio ocorreu. Com os mesmos procedimentos. Uma garota estrangulada com a mesma frase da bíblia. Seu nome era Lilian Moreno. Conhece esse nome?

Júlio realmente não conhecia esta mulher, mas mesmo aliviado fez um esforço mental para ter a completa certeza.

- Não. Não a conheço.

Borges, imóvel, fez silêncio olhando profundamente nos seus olhos

- Você tem certeza? Pelo que descobrimos até agora é que Lilian e Isabela se conheciam. Por acaso você ouviu sua ex-namorada comentar algo sobre ela.

Este novo detalhe deixou Júlio incerto. Relembrou-se das insanas noites de ménage que tiveram, mas como poderia decorar os nomes das mulheres de que desfrutavam.

- Já faz um certo tempo. Mas realmente não posso afirmar que ouvi esse nome.

Borges retirou do bolso um bloco de notas e começou a anotar as suas observações.

- É só isso?

Júlio ficou olhando o investigador revirar algumas folhas em seu bloco antes de responder à sua pergunta.

- Sim, é só isso mesmo. Obrigado. Mas por curiosidade, você ainda é evangélico?

- Sim, sou. Mas eu sou suspeito desse novo crime?

O agente guardou seu bloco e fez um sorriso forçado ao seu inquirido.

- Até o momento não. Mas não me surpreendo ver que o seu "modus operandi" ainda continua o mesmo – estendeu seu olhar na direção que sua aluna Agatha havia tomado.

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