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A cabeça e o futuro

(Imagem: Pinterest, do álbum de abigail)


Entre as marcas de nossa passagem pelo planeta, uma delas encontra-se hoje no Museu Britânico. Trata-se da Cabeça de Ifé, descoberta na cidade de Ifé, sudoeste da Nigéria, junto com outras doze há quase oitenta anos.

Produto das grandes civilizações medievais que existiram há cerca de seiscentos anos na África Ocidental, a Cabeça de Ifé é pouco menor que uma cabeça de tamanho natural e feita de latão. O artista que modelou o objeto permanecerá oculto membro de uma cultura que não deixou registros escritos.

Segundo Neil MacGregor, diretor daquele museu, a Cabeça de Ifé tem rosto oval “elegante, coberto de linhas verticais talhadas com precisão”. Junto com outras da mesma origem, a peça destruiu “as noções europeias de história da arte”, levando os europeus “a reavaliarem o lugar da África na história cultural do mundo”.

Para o romancista nascido na Nigéria, Ben Okri, a Cabeça de Ifé causa-lhe o efeito de certas esculturas do Buda. Isto porque “a presença da tranquilidade em uma obra de arte revela uma grande civilização interna, porque não se adquire tranquilidade sem reflexão, sem fazer as grandes perguntas sobre nosso lugar no universo e encontrar respostas razoavelmente satisfatórias”. Para ele, civilização é isso.

Não será necessário muito esforço para entender a distância que nos separa do conceito de civilização de que fala o escritor nigeriano, e relatado por MacGregor em seu livro A História do Mundo em 100 Objetos. Nosso multiculturalismo, com requintes de globalização, certamente não produzirá mais uma arte tão representativa de um povo, e, provavelmente, nem tão capaz de revelar a tranquilidade que advém de profundas reflexões.

Desavisados, consumimos o que nos tenta impingir a mídia venal em nome de seus próprios interesses. Será arte e será sucesso o que uma miserável cabeça humana decidir que deva ser sucesso e arte. De costas para o Criador, o mundo há muito passou a erigir seus rentabilíssimos ídolos, porque alguém disse que precisamos deles.

Cidade cujos vestígios vão a 500 a.C., Ifé tem por nome uma palavra que, na língua yorubá, significa amor. O que não deixa de ser, no mínimo, curioso para uma cultura que legou ao futuro poucas, mas surpreendentes obras de arte.

Sucessores daquele artista nigeriano que, numa era distante, modelou em latão a extraordinária peça sem nunca imaginar quão longe ela chegaria no tempo, a nós nos resta reconhecer o serviço que ele nos presta. A Cabeça de Ifé pode nos ajudar a refletir na civilização que moldamos e, sobretudo, no legado que remeteremos às gerações do futuro.

Se houver legado digno e se houver futuro.
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