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TRAQUEOPLASTIA: do projeto ao programa médico-social

              Traqueoplastia (ou laringotraqueoplastia) é terminologia médica, e significa restaurar e remodelar a traquéia e/ou laringe (vias aéreas) por meio de cirurgia e/ou endoscopia. É indicado em Pacientes acometidos por  afecção inflamatória, traumática ou cancerosa. É pela laringe e traquéia que passa o ar que respiramos, portanto, a operação é complexa e de alta morbidade.  

Com um número grande de doenças nas vias aéreas, o governo do Estado do Pará criou um Programa, chamado TRAQUEOPLASTIA, por meio da Secretaria Estadual de Saúde (SESPA), cuja população ansiava por esse projeto social. Em 2016 a ideia começou a ser implantada pelo Ministério Público Estadual (MPE), por meio judicialização.

A história começa quando o MPE ouve a queixa de cerca de seis pacientes, liderada por uma jovem estudante de direito, de origem marajoara. Soube que o irmão, um vaqueiro, havia levado um tiro na cabeça ao defender a fazenda de seu patrão de um assalto. Foi acudido e levado ao maior centro de trauma de Belém. Lá ficou entubado por vários dias. Sobreviveu a todas as complicações possíveis, mas saiu com uma seqüela na traquéia, por isso carregava uma cânula de traqueostomia no pescoço. Também perdeu a voz. Quem não perdeu a voz foi a irmã, que tratou de procurar um serviço público para sanear a questão. Achou o hospital universitário (UFPA), onde soube que havia a especialidade Cirurgia Torácica. Depois de quase um ano na lista de espera, resolveu procurar seus direitos no MPE.

Não obstante, a jovem estudante tentou avaliar a possibilidade de tratamento privado, mas logo percebeu que não tinha reserva financeira pra arcar com tantas despesas. A complexidade do caso, assim como o tempo necessário para o tratamento, deixou-a angustiada. Ganhou espaço num dos jornais da cidade, para denunciar a lentidão do caso.  A diretoria do hospital me chamou, como professor, para esclarecer o caso e responder à imprensa, pois aquele hospital não era referência em cirurgia para correção de defeitos da traqueia. Tive que concordar, pois este tipo de operação precisa de material específico e cuidado diferente das demais áreas, pois ali estávamos diante de uma operação complexa, que envolveria laringe e traqueia, cujas complicações são elevadas e graves, mesmo em grandes centros mundiais.

Pela falta de um centro de referência, o MPE impôs à SESPA uma definição para criação de um centro especializado. Fomos novamente chamados, agora para explicar o formato desse tipo de tratamento e depois apresentar projeto. Com multas bastante elevadas, a SESPA teria que se desdobrar para montar o serviço, do contrário, o Estado teria que ressarcir aquele jovem vaqueiro e mais meia dúzia que amontoaram queixas ao MP. Com a faca no pescoço, a SESPA se viu na obrigação de criar um programa para durar seis meses, especificamente para tratar aqueles pacientes judicializados e dar resposta ao MPE.

Demorou mais de ano entre idas e vindas à SESPA, pois o projeto teria que ainda tramitar por diversos setores do governo até se concretizar. Em agosto de 2015, recebi o chamado que havia sido aprovado. Em outubro de 2016 o serviço foi implantando, para durar seis meses. 

Seis meses após o início, mais de 20 pacientes traqueostomizados se apresentaram ao ambulatório. E o que era para seis meses dura até hoje, com novos e novos casos que vão surgindo, até se transformar nessa representação nacional.       

Durante esse período já realizamos mais de mil procedimentos endoscópicos, o triplo de consultas e cerca de 120 pacientes com operações abertas complexas.

            Realizamos simpósio com transmissão ao vivo para todo o Brasil; recebemos mais de 20 cirurgiões torácicos brasileiros e alguns estrangeiros. Vários residentes já passaram por lá, de diversas especialidades ligadas às vias aéreas. Um desse foi um residente de cirurgia torácica do Chile, que passou dois meses em atividade, e participando ativamente dos procedimentos endoscópicos-cirúrgicos.

            Recentemente, durante o XXIII de cirurgia torácica da SBCT (Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica), realizado em São Paulo, fomos laureados com o prêmio Antonio Ribeiro Netto, pelo desafio social do programa amazônico. Igualmente, ganhamos o terceiro lugar entre os pôsteres, que deverá se tornar um artigo científico.

O hospital Galileu, onde são realizadas as consultas, operações e as endoscopias é um hospital de 100 leitos, localizado na Grande Belém, acerca 20 minutos do centro.

No primeiro dia de consultório, já havia vários pacientes. Tomamos um susto. Escolhemos como primeiro caso para operar, o mais simples. Depois vieram os demais casos, até pegar embalo. Nosso maior medo, o de encontrar casos bizarros e complexos, foi lentamente superado a cada resultado cadenciado pela boa resposta. Duas coisas foram fundamentais, do ponto de vista técnico: estudar bastante, ler obstinadamente, praticar e convidar grandes cirurgiões de fora de nosso estado para analisar criticamente o programa. Do Oiapoque ao Chuí, literalmente falando, fomos recebendo cada um. As operações complexas foram ficando simplificadas, até alçar crescimento.

O programa se desenvolve em apenas um dia da semana, aos sábados; realiza-se cerca de três procedimentos endoscópicos ou cirúrgicos por cada sábado, mas sempre estamops ultrapassando a meta. O programa sobrevive com tecnologia básica, pois ainda não temos acesso à tecnologia de ponta.

Mais da metade dos pacientes procedem do interior do Estado, que é composto por oito milhões de cidadãos e tem o tamanho equivalente à vizinha Colômbia, o terceiro país em extensão da América do Sul.

Três cirurgiões titulados pela SBCT compõem o serviço. Existe um CTI de cinco leitos específicos para cirurgia de vias aéreas, além de enfermarias com médicos clínicos com vivência no tema e visitas diárias. Hoje, domingo, temos mais de sete pacientes internados, sendo três no CTI. O Hospital não dispõe de sala de emergência, mas há um CTI preparado para receber pacientes que necessitem de imediatismo, com todo material prontamente disponível para se realizar desde traqueostomia a dilatações, sempre com um dos cirurgiões de sobreaviso e a presença do intensivista.

O programa é administrado pela OS ISSAA, que sempre tem nos apoiado, juntamente com a própria SESPA.

Texto: Roger Normando, Responsável Técnico pelo Programa TRAQUEOPLASTIA e Professor da disciplina de Cirurgia Torácica - Curso de Medicina - Universidade Federal do Pará



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