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Minha aldeia, minha tribo...

"Eu não caminho para o fim,

   eu caminho para as origens."    

Manoel de Barros, poeta.

    

        Morei quase cinco anos no Rio de Janeiro, logo após a graduação. Quando cheguei, beirava os 24 e tinha sonhos na profissão - como qualquer um. Com os sonhos coexistia o medo: Rio é bem maior que Belém, assim como Belém é bem maior que os interiores do Acre e de Rondônia, de onde brotei. E isso é o suficiente para meter medo.

        Acenei, ao final do período de residência médica, que gostaria de voltar para minha tribo. Confesso que o chefe do serviço já havia me convidado para ficar, mas suas palavras não tinham o prego que sustentasse minha alma na cruz do Corcovado. Veio também um convite da universidade onde fiz mestrado. Claro que fiquei honrado, mas preferi regressar.

Já em Belém, volta e meia recebia uma ligação do chefe para voltar. Ainda não tinha filhos e vivia num apartamento mirrado num bairro afastado do centro. Andava de ônibus e meu apurado vinha da minha vida de  oficial temporário do serviço militar e alguns plantões de CTI. No sexto mês distante, recebi um ultimato mais viril. Era 1992 e coincidia com a Eco92, no Rio.

        Aquele telefonema sacudiu minha base. Resisti. Certamente todos poderiam me aclamar como anencéfalo, chucro ou aru. Fiquei amuado e, confesso, passei uns tempos trabalhando com um lado da cabeça no estilo dark side of the moon. Parecia que havia uma comichão nas minhas têmporas, a ponto de perder a concentração no trabalho.

       Logo em seguida a esposa resolveu viajar ao Rio, para ficar uns tempos com a família, digamos, matar a saudade. Pronto, era o fim! Eu disse para mim mesmo, e até Hoje ela não sabe, mas eu achava que ela não voltaria mais; que ali estaria o fim de meu matrimônio. Então teria que arrumar as malas de volta para o Rio, se quisesse salvar o casamento. E aquele convite voltara a badalar na minha cabeça.

        Naquele meu mundo, ninguém entenderia minha paixão pelos amigos do futebol aos sábados, assim como as idas à Curuzu; pelas chuvas da tarde e o mormaço no toutiço; pela convivência com os irmãos e os pais; a saudade do açaí e do tacacá, além das serestas; sem falar do cheiro de maniçoba que ronda a semana do Círio de Nazaré. Como viver sem isso!

        Eu também via como a coisa mais ardente, a possibilidade maior de crescer profissionalmente na minha cidade, após ser bem acolhido pela comunidade. Lá, talvez não tivesse tanta chances, em que pese ter deixado amigos que até hoje me faz reacender aquele convite de 30 anos atrás. 

        Com o passar dos anos, cada vez mais me vi fincado profundamente ao solo dessa indomável floresta. Talvez por ter convivido com tantos Ashaninkas e Kaxinawás durante minha infância no Acre. É provável que isso tenha me deixado meio índio, com certo enraizamento. 

Foto: David Normando
Isso me fez lembrar os tempos de escola, que no 19 de abril tínhamos que desfilar pelas ruas, todos com rostos pintados de urucum e penas de pássaros ao redor do calção ou cabeça e umbigo de fora, como forma de reverenciar os povos originários. Guardo em minha memória a fotografia do Paulo, um dos irmãos, vestido de tuchaua. Ele encabeçava o desfile, perfilado num jeep Willis. Meu pai, com uma Olimpus trip 35, eternizou aquele momento. Lá no interior daquele mundo, era feriado e, para mim, é até hoje.

       O desfile aberto não era só encantamento de nossa infância. Hoje leio como forma de repudiar Borba Gato e os demais bandeirantes, assim como essa nova era filogenética de exploradores da terra. Escrevo assim, para que jamais suma de nossa de memória o encantamento por essa floresta e por quem cuida dela. 

        Hoje são 19 de abril. Moro em Belém e continuo casado, só que agora carrego dois curumins em meu jamaxin.




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