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O cio I - De quando em quando


Admiro quem tem a honesta capacidade de escrever todos os dias, inclusive aos domingos; gente que consegue fazer das ideias, mesmo as ruins, uma fonte permanente de criatividade; invejo um Balzac, um Dumas, que “trazia no ventre uma biblioteca inimaginável”, enfim, verdadeiras cachoeiras jorrando água aos montes. Considero a ausência de disciplina, talvez um pouco de ócio, é bem verdade, e as dívidas responsáveis pela caçoada deste filiforme cotidiano. Inúmeras tentativas me alertaram de que não sou escrava nem máquina da palavra. Já dediquei horas ao ofício, mas sou rasteira demais para creditar minha vida a isto, sem contar a imperiosa idade. Prefiro abusar dos primitivos desejos, capazes de corridas auxiliadas pela maconha, que passei a fumar com uma colega que se achava sucessora de Clarice, morando numa quitinete na Barata Ribeiro, no Rio de outros carnavais. De modo que apenas quando sinto pulsão sexual é que sento para escrever; geralmente, quando estou no cio ou, popularmente, subindo pelas paredes. Mesmo ardendo entranhas, escrever me sacia a sede. Penso nos que beberam minha nudez, alguns gordurentos, asquerosos, cheirando à nicotina e a álcool, para compor minhas dulcíssimas poesias. Um homem na condição de animal pavoroso me obriga a imaginar posições que prefiro e minhas mãos correm a construir histórias. Não sou vagabunda, embora contumaz em bacanais e lojas eróticas, sempre comprando besteirinhas para temperar a solidão – que aniversaria hoje –, desde o dia em que o porra do Romildo embuchou a empregada da mamãe. Escorracei e me arrependi. Não nos despedimos nem conversamos, mas nos cuspimos a cara: parecíamos dois gatos engalfinhados se arranhando até sangrar. Assumo a persistência em querer o Romildo na cama ainda agora. O pinto dele era um vergalhão grosso e inclinado como uma torre desengonçada. Pena que foi apoderado por outra “mata viçosa”. Canalha! Que a doméstica fazia uma pessegada melhor! Isto é lá desculpa!

Calma, calma, calma – suspiro.

Quero falar de literatura, sobre o ato de escrever, destas coisas. Há quem goste de romances policiais, tratados melosos, coisas fantásticas, folhas religiosas, literaturas técnicas, rocamboles juvenis e até porcariadas para arrebatar a estima de enganadiços. Longe de querer audaciosamente criticar livros, mas escrevo sacanagem e é dela que tento viver – sinto-me uma raposa motivada. Foi da desdita possibilidade de se atulhar em peças jurídicas – um jogo que descobri sem nobreza quando estava nos bancos da faculdade – que me dediquei ao ofício da literatura. Fico ensimesmada por às vezes minhas atitudes nada dizerem a meu respeito, muitos estupores e me encabulo fácil, ajo como numa fantasia com a boca rosada de fora, embora os pensamentos não passem por este dilema: é diferente, sou mais solta, livre e adúltera; talvez falsificada. Chamo-me Ritelma de Laguna – digamos que se trata de ficção, como muitas por aí: Marilyn Monroe, Grace Kelly e Sophia Loren – e hoje vivo num úmido apartamento no centro de uma cidade que ninguém conhece tão bem, principalmente o pedaço em que alvas e morenas sem banho se dedicam a homens gulosos. Como falou Kierkegaard: “Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História”. O sexo é o cimento da humanidade, não se nega. Repito: escrevo no cio! Quando quero o macho, como agora, e olho da janela um rapaz loiro de macacão fumando, tenho vontade de descer, arrancar o macacão, atirar as mãos nos seus braços, ficar de quatro e lhe suplicar.

* Escrito em março de 2010;
** Red Continuum OF-A142, by Oleg Frolov.


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