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Pág. VII à X

             Este Blog é uma plataforma de divulgação do livro autoral AS LEIS DA PIZZA 

Meu pai era uma pessoa esquisita demais. Não bastava que fosse um cara que se aproxima de sua mulher e filha, cruza os braços e espera que elas encerrem toda e qualquer atividade pendente para os próximos trinta minutos só para que ele possa brindá-las com meia dúzia de palavras que se repetem em um ciclo infinito de reclamações, ele tinha que ser isso o tempo todo e em qualquer lugar. A janta e o café-da-manhã eram os momentos mais críticos, mas escolho a janta como o pior dos piores. Não misture salada e prato principal, ele dizia, é nojento. Sem tirar nem pôr, com estas exatas palavras, ele nos presenteava com a sua companhia. De todas as queixas nem uma se salvava. Nosso confronto imediato de cada dia me servia para nada além de um exercício involuntário de paciência. Diante das reclamações mais estapafúrdias e sem propósito minha inteligência era impotente. Mesmo que fosse para refutar, seria inútil. Não havia lógica capaz de contradizer as loucuras dele. Se ele ainda se esforçasse para desafiar minimamente minha capacidade intelectual eu talvez pudesse ver alguma graça em travar um diálogo com ele, mas esse não era o caso, então só me restava optar pela discussão. Suas grandes angústias na vida não se tratavam de questões importantes para humanidade, como a escravidão moderna ou a máfia do mercado bélico, mas sim das mais indispensáveis queixas sobre talheres, saladas e normas de etiqueta em geral. Embora eu não perdesse uma oportunidade de confrontá-lo, eu estava ciente de que fazê-lo era uma total perda de tempo e que o desfecho sempre seria o mesmo. Frente aos meus enfrentamentos ele lançava sua melhor resposta. Ele ajeitava o cinto sobre a barriga, inflava o peito e repetia o mantra:
É nojento – ele dizia –, como se argumento nenhum fosse capaz de superar este fato.                                 
O mais engraçado é que minha mãe cedia, e isso me deixava irada. Após muita pressão, ela passou a fazer coisas idiotas, como pesquisar a posição dos talheres na mesa e o tipo correto de copo para cada bebida. Ao invés de simplesmente comermos a salada antes da comida no mesmo prato – como fizemos nas primeiras vezes que ele começou com essa história macabra e ridícula –, ela decidiu caçar os pratos de cada jogo de louça que tínhamos e medi-los com exatidão, com a única preocupação de que todos nós tivéssemos nosso próprio prato para salada só para que pudéssemos dispô-los perfeitamente sobre a louça do prato principal. Juro – isto aconteceu. Foi na janta do dia do pronunciamento que ela finalmente conseguiu cuidar de todos os detalhes para a mesa perfeita que meu pai exigira por tanto tempo. Ela gritou nosso nome com animação. Eu fui correndo para a cozinha e me deparei com aquele mar de louças floridas que mais pareciam bibelôs de porcelana. Nós duas nos sentamos a mesa prontas para a janta, mas ele não chegava nunca. Eu fui até ele. Eu fui busca-lo no quarto – coisa que jamais fazia –, apenas por amor a minha mãe. Ele estava fincado ao chão, de frente para cômoda e de costas para a porta. Eu cheguei mais perto e vi sua expressão estática, com os olhos fixos encarando o celular. Nós dois estávamos no mesmo lugar, mas só um podia ver o outro. Minha voz se cansou de tanto chamar, e quando ele deu por si, simplesmente passou por mim e saiu do quarto. Ter ido busca-lo não foi pior do que ter ido atrás dele naquela hora. Quando o alcancei na cozinha presenciei seu corpo alto sentar-se à mesa, dizendo:

– O que há de errado com essa mesa? - Disse o homem espirituoso.

          A minha vontade naquele momento era triturar cada prato, copo e talher e enfiar-lhe todos os cacos goela a baixo. Juro – mais uma vez –, se ele estivesse sentado ao meu lado esse relato seria de uma adolescente interna, presa aos seus 15 anos por trucidar seu pai durante o jantar de domingo. O máximo que pude fazer com a minha raiva, porém, foi avançar na comida, para logo despejar minha salada no prato e misturá-la lentamente ao macarrão com queijo, sem dó nem piedade. Posso confirmar, isso bastou para que ele quase enfartasse. E eu me satisfiz. 


Catarina H. F. Rezende
  


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