Por Daniel da Silva
Suzana e eu corríamos pelo pasto rindo felizes com bobagens de criança enquanto o sol forte fazia o mato brilhar em dourado. Mamãe olhava tudo e receava que eu crescesse um adulto avoado e tendencioso a vadiagens e disso a velha beata não permitiria jamais.
Com o tempo fui crescendo com o esquadrinhamento de minha mãe e ausência da voz de meu pai, não que ele houvesse morrido mas era como se fosse. Papai era o adulto que me tornaria caso eu seguisse todas as correções de minha mãe. Meu pai era um homem apático, com olhar vazio e de certo, em algum lugar de sua mente, o pobre homem residia longe. Residência é todo lugar onde podemos de fato respirar.
Já era um jovem formando da faculdade de letras quando numa certa noite, fechado em minha casa bem arrumada de dois cômodos, veio um estalo em minha mente, corri para o banheiro onde fiquei algum tempo observando o fundo de meus olhos refletido no espelho. Tentei encontrar-me e sentia que quanto mais fundo ia, mais perdido eu ficava. A conclusão que tivera até então era de que todos nós viajamos perdidos, afundando cada vez mais nesse poço de água negra e gelada chamado ser. Essa ideia me deixava louco e profundamente tristonho, para dormir naquela noite tive que me perder dos pensamentos.
Não houve sonhos, apenas o escuro e inconsciente. No dia seguinte, já no caminho para o trabalho, peguei-me observando as pessoas que passavam. Havia historia em cada um, cada qual com sua vida e ainda sim faltava algo nas pessoas. Foi quando me lembrei do forte pensamento da noite anterior. Em meio à multidão percebi que dentro de cada um, de todos nós, no mais profundo canto de nossa psique não havia nada, apenas o mais amplo e imperceptível senso de contemplação.
Vemos mas não observamos, metabolizamos oxigênio e, no entanto não respiramos, nascemos, crescemos e morremos.
Quantos podem de fato dizer que em algum momento estiveram vivos?