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Silêncio

Por Dan Cilva

Era tarde. Nem demais ou de menos, apenas tarde. Já havia bebido duas generosas garrafas de vinho, o que de certo me fazia filosofar sozinho. Estava em meu apartamento. Peguei-me sem piscar fazia algumas horas e quando o fiz, meu Deus, como ardiam!

Fui ao banheiro a fim de lavar o rosto e espantar o aspecto bebum. Diante do espelho, os olhos ardiam e a água escorria, gorgolejando pelo escuro do ralo. As feridas em minha mão não fechavam e às vezes eu sentia uma dor aguda, como se caísse de cara em um prego enferrujado. Naquela noite não doía depois do caso do garoto desaparecido e das coisas estranhas que vi na mata.

Não sei quanto tempo fiquei olhando os rasgos em minha mão, mas sei que já percorri um longo caminho para encontrar a garota que me tirou das trevas. Ouço como um sussurro que vai aumentando gradativamente até ficar ensurdecedor. A campainha me trouxera de outro mundo. Levantei enfaixando a mão e indo sem muita vontade atender a porta. Abri, sem ao menos me questionar quem poderia estar atrás da fina segurança de uma porta de madeira. Lembro que ela vestia preto, era linda, estava chorando e me pedia desesperadamente para entrar, que havia alguém a seguindo. Algo em seu olhar me fez dizer apenas “Entre, vamos!”.

Logo que tranquei a porta, meu apartamento foi tomado pelo seu perfume. Era um odor melancólico, mas muito gostoso. Ela já estava sentada no sofá surrado que ganhei de um vizinho, ele não acreditaria se eu contasse que um belo par de pernas estava sentado naquele monte disforme e velho, chamado sofá.

Seu nome era Marlene, havia algo de muito sedutor naqueles lábios. Estavam um pouco arroxeados, talvez pelo frio que fazia. Ofertei um gole da terceira garrafa que pretendia beber, ela aceitou. Fui até a pia da cozinha em busca de um copo limpo. Quando me virei, a garota bebia direto do gargalo. A sequência de eventos agora me vem à mente em pequenos lampejos, restos de memória. Ela se deleitava com meu corpo enquanto arrancava minha roupa. Noutro instante, já estava debruçada com as ancas empinadas sobre o balcão e eu como um animal sedento, suava compulsivamente enquanto preenchia seu sexo com o meu. Ela gritava de luxúria e prazer, e eu me sentia cada vez mais hipnotizado por ela. A estranha beijava e chupava minha boca, meus ombros e pescoço. No ápice, olhando no fundo da minha alma, ela suscitou-me à razão.

- Pedro!

Eu ainda aturdido, com o corpo não respondendo mais, eu a enchi com meu gozo. Ela ria com as pernas enlaçadas ao meu quadril. Seus olhos negros queimavam-me por dentro com o quebrar do silêncio.

- Brincamos com suas mentes até que fiquem deliciosos. Desde o bosque estive a sua procura, Pedro!

Era o bosque sombrio novamente. Com os corpos entrelaçados, eu a batia contra a parede, enquanto ela gargalhava grudada como uma cadela em mim. Com muito esforço consegui arrancar um escopo de sua cabeça quando a joguei contra o balcão.

Aturdido, apanhava minhas roupas, envergonhado, enojado. Não haviam novas feridas em meu corpo, mas as marcas de mordidas em minha mão queimavam, doíam como se a carne fosse largar dos ossos.

Fui ao banheiro jogar uma água no rosto. Talvez eu acorde deste inferno, pensei. O som de abrir a torneira me foi completamente grotesco. Virei instintivamente e quase morri naquela hora. A criatura estava em pé, sem uma parte do crânio, me encarando da porta do pequeno banheiro. Eu podia sentir o sangue escorrendo da cabeça da coisa. Senti falta da mocinha que me salvara do bosque, sentia frio, sentia a morte desejando o que restava de mim. Desde o caso de Fábio, comecei a acreditar em Deus e no Diabo e que de fato existiam entre o céu e a terra mais coisas que poderiam ser explicadas por nossa vã filosofia. Enquanto ela sorria, uma luz avermelhada se projetava por trás dela e o corpo da coisa estremecia. Aos poucos ela se desfazia e pedaços vermelhos flutuavam no ar como cinzas de papel queimado. Por trás do demônio estava quem eu tanto procurava: era louro o cabelo, com uma estranha lanterna que destruía a escuridão e o corpo da criatura. Meu Deus! Ela deveria ter 16 anos e encarava aquilo com tanta naturalidade. Verônica era seu nome, ela dissera e tinha a voz doce como no dia em que me salvou.

- Meu nome é Verônica! Desculpe por não avisar que todos que já tiveram contato com o sobrenatural também ficam visíveis para essas criaturas e se tornam suas presas.

Ela caminhou em minha direção e recostou sua mão pequena sobre a minha mão.

- Parece que você pode sentir por esta ferida quando as trevas se aproximam.

Fazia silêncio enquanto minha vida tomava outro rumo.

- Pedro, você me ajuda?








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