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Os Mendigos da Minha Cidade

Praça. Centro da cidade. Degraus de acesso ao teatro municipal. Mendigos. Cheiro ruim. Sujeira. Garrafas. – São os estorvos da cidade! – Têm idade e saúde pra procurar emprego! – Podem muito bem se sustentar! – Vagabundagem, isso sim!
                No caminho para casa, me deparei com a cena: lado oposto da calçada em que eu seguia, um Rapaz de, aparentemente, trinta anos, sentado em um pano sujo, com uma caixa de balas ao seu lado, tentando vender para angariar alguns trocados, já que, os dois pés estavam enfaixados, sujos, ensanguentados e inchados. Problemas agravados pela diabetes. Pessoas passando com a pressa diária, sem notar aquele fantasma negro de olhos vermelhos e tristes que suplicava por atenção, por trocados. E ele não estava pedindo pelo dinheiro alheio, estava vendendo suas balas compradas com sei lá o quê. Atravessei. Conversamos por uns dois minutos. Foi aí que descobri a diabetes. Dei algum dinheiro que tinha na bolsa, um biscoito e segui meu caminho.
Dias depois, a mesma cena, o rapaz sentado, agora em frente a um supermercado, as pessoas o olhando e olhando para as faixas que antes envolviam seus pés e agora estavam ao seu lado, os pés, com faixas limpas e as pessoas, sem esconder seu olhar de repulsa. Atônita à ironia: pessoas com sacolas e mais sacolas de compras recém-saídas das prateleiras do supermercado e o rapaz ali, rodeado de nadas, pra comer ou pra viver. Entrei, comprei um pão, saí e o entreguei ao rapaz que conversava com uma moça que, por sua vez, o aconselhava a ir ao hospital, local onde ele afirmava já ter ido e não conseguido atendimento. Segui meu caminho.
Seguindo a cronologia dos fatos, alguns dias depois, ao atravessar a praça da cidade, eis que encontro o mesmo rapaz, dessa vez, rodeado de aliados que defendiam a mesma causa: a da bebida. Todos com garrafas, bebendo, gargalhando e caçoando de quem passava. Fui atingida por uma flecha de pena, de compaixão pela cordialidade com que a miséria perfazia e cercava aquele grupo de marginais. E o asco me subiu pela garganta ao olhar para os outros lados e ver que as pessoas transitavam e desprezavam aquela cena animalesca e nefasta que devorava, voraz, a cidade. Mas - São os estorvos da cidade! – Têm idade e saúde pra procurar emprego! – Podem muito bem se sustentar! – Vagabundagem, isso sim!
Os trocados, biscoitos e o pão que dei ao rapaz não fazem de mim a soberana benfeitora da cidade, o que fiz foi meu papel, convenhamos, sou um ser humano: também tenho fome. E a briga nem é quem ajuda ou deixa de ajudar. A questão principal é o espectro de invisibilidade que essas pessoas assumem quando estão nas ruas e o grau de julgamento que os outros, que tem uma casa, atribuem a si mesmos quando veem – sem enxergar – os olhares perdidos de quem está nas ruas. Por escolha, por falta de outro caminho razoável, pelo vício, pelas condições que a eles foi negada, pela família ou pela vida.
Aceito que quem quer vai atrás, precisei de dinheiro, fui atrás de um emprego, precisei estudar e não podia pagar, estudei e consegui uma bolsa. Mas o que me dá o direito de julgar alguém que eu vi na rua algumas vezes? A sujeira? A roda de bebidas no entorno da sua silhueta ao dormir no chão da praça? Ouvi que, por escolha, alguns não ajudam aos que tem pouco ou nada, pelas mesmas razões de sempre: que arrumem um emprego! A lástima é que as mesmas pessoas que criticam, são as que batem continência e dizem amém quando procuram suas salvações e lhes é dito: que ajudem aos pobres, ao próximo!
Que se dane o que o rapaz vai fazer com o dinheiro que eu dei. Incontestavelmente fiquei mais aliviada comigo mesma quando dei de comer, não é meu intento favorecer nenhum tipo de vício, mas me compadeci da necessidade por curativos do rapaz e foi o que me fez dar a ele dinheiro. Se o ajudei a comprar as garrafas das quais ele e os amigos desfrutavam, não foi o propósito. O propósito foi e continua sendo parar com o discurso insensível de cada um por si e Deus por todos. Parar com o ceticismo de olhar sem enxergar. De negar ajuda a quem, por qualquer motivo, precisa dela. Somos iguais, precisamos comer, beber e precisamos, sobretudo, de dignidade. Dignidade. Respeito. Compadecimento. Humanidade. 


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