Dizem por aí que uma mentira contada mil vezes acaba se tornando uma verdade, e talvez seja essa uma explicação, quase razoável, para a divulgação indevida de frases de autoajuda relacionada ao nome de Clarice Lispector. A escritora ucraniana por destino, brasileira naturalizada e pernambucana declarada, hoje, habita redes sociais com frases de teor de autoajuda e o pior: frases tão óbvias que fica difícil acreditar que as pessoas as atribuam e as vinculem a grande escritora.
É bem sabido, que Clarice Lispector nunca usou do óbvio, pelo contrário, sua obra é repleta de neologismos, figuras de linguagem e originalidade que há a necessidade, muitas vezes, de reler e ler de novo. E se para bom entendedor meia palavra basta, para um “leitor” que pouco lê, Qualquer Frase que já venha creditada pelo nome da escritora já é motivo para acreditar que foi realmente falada ou escrita por ela.
A ânsia pela cultura idealizada que se propaga por aí, mais rapidamente na internet, mostra o reflexo da sociedade superficial que pouco se importa com o nível cultural que os acomete. Qualquer frase é cultura, qualquer frase é “postável” e em pouco tempo está cheia de curtidas, mesmo que tal frase aponte para uma situação esdrúxula, oca e fútil.
Fato é que a obra lispectoriana ganhou notoriedade pós-internet, e fato maior ainda é que é preciso mais do que nunca desconfiar, desconfiar do que é fácil demais, raso e frívolo, porque se existe uma fissura onde a escritora jamais cairia, esta é a fissura do lugar-comum.
E em texto com tom impensadamente premonitório, em 1974, Clarice, nervosa, escreve: “Acordei com um pesadelo terrível: sonhei que ia para fora do Brasil (vou mesmo em agosto) e quando voltava ficava sabendo que muita gente tinha escrito coisas e assinava embaixo o meu nome. Eu reclamava, dizia que não era eu, e ninguém acreditava, e riam de mim. Aí não aguentei e acordei. Eu estava tão nervosa e elétrica e cansada que quebrei um copo”.
