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A hipnose de João Augusto

João Augusto colocou o livro em cima da mesa. Havia muito tempo que ele não o lia, e agora que releu sentiu-se revigorado e pronto para usar suas "novas habilidades".
O interesse pela hipnose surgiu faz uns cinco anos atrás, quando seu amigo Eugênio emprestou-lhe um guia sobre hipnose que ele encontrou na faculdade. Antes disso ele via demonstrações de hipnose na televisão mas isso não lhe chamava particular atenção. O surgimento daquele livro através das mãos de seu amigo mudou tudo. João Augusto leu o livro em dois dias e ficou fascinado, especialmente pelas histórias sobre como as pessoas justificam para si mesmas as ações provocadas pelos comandos do hipnólogo. Não demorou muito tempo para que ele comprasse um livro parecido em um sebo, e após a aquisição, lia-o compulsivamente, página após página, relendo partes que não compreendia direito. Ao acabar o livro, voltava à primeira página e repassava todos os pontos. Aquele assunto de hipnose foi como se tivesse aberto um novo mundo de possibilidades. De repente, as tão difíceis e complicadas relações sociais estavam resolvidas através de um atalho que me permitiria obter tudo o que quisesse com literalmente um "estalar de dedos".
Não há dúvidas de que João Augusto foi bastante aplicado àquela leitura, o problema residia no fato de que ele não conseguia assimilar as instruções ou mesmo copiar os procedimentos. Algo o impedia de seguir com a idéia da hipnose, talvez por uma certa insegurança de que não seguiu as técnicas à risca, e um motivo mais velado de puro medo por não conseguir hipnotizar e o pior:ser descoberto em sua tentativa de manipular a mente das pessoas. "Como se alguém tivesse motivo decente para se interessar por hipnose", pensava ele. Era um motivo bom e justo, só não era moral. E graças a essas reservas e outras preocupações preferenciais, a hipnose foi aos poucos sendo deixada de lado até finalmente ocupar uma posição insignificante em sua lista de interesses.
Mas, com o passar do tempo, as coisas não foram facilitando. Encontrar emprego para alguém sem experiência é muito difícil. Sem emprego, fica difícil também arranjar dinheiro para saídas noturnas, e em um determinado momento os amigos param de convidar, já não falava com Eugênio fazia uns nove meses. Sem emprego nem amigos, fica impossível conquistas amorosas. Por isso João Augusto passava os dias no computador acessando a internet, mandando currículos vazios para agências de emprego e estudando para concursos públicos em que nunca passava. As portas pareciam se fechar cada vez mais com o passar dos dias, mas isso até, em um dia de limpeza de rotina da casa, resolveu mexer em umas prateleiras e reencontrou aquele livro há muito esquecido. A lembrança daquele livro e seus prometidos poderes mentais que o levariam para além das capacidades humanas reacenderam a chama dos desejos internos de João Augusto.
Com tantas derrotas na vida, em seu desespero, João Augusto decidiu apostar sua pouca sorte com a hipnose, e enquanto relia o livro, todo o aprendizado voltava à sua memória, as frases tão devidamente decoradas, os comandos, e o tempo distante do livro revelou a ele uma nova série de significados que ele não havia compreendido na época, por não ter uma mente mais amadurecida. E isso impressionou João Augusto a ponto de finalmente dar uma guinada em direção a algo melhor para sua vida e tentar hipnotizar alguma pessoa na rua.
Ele resolveu tentar uma técnica que funcionaria muito bem para abordagem com pessoas na rua. Como João Augusto aprendeu com seu livro, a hipnose não é exatamente um sono, mas sim um estado alterado da consciência. Para ativar na pessoa o estado alterado, não é necessário que faça essa pessoa dormir. Em muitos casos, basta apenas incutir uma confusão mental na pessoa. Ao fazer várias perguntas diferentes de uma só vez, desviar a atenção do ouvinte para diferentes lugares e coisas, a pessoa acaba incapaz de acompanhar a linha de pensamento do emissor da mensagem e o cérebro acaba entrando nesse estado alterado, onde instruções podem ser passadas para a pessoa através de seu subconsciente, que de acordo com a teoria, aceita as instruções passivamente.
E João Augusto, após repassar o truque várias vezes no caminho para a rua do comércio, deixou para decidir ali o que faria após conseguir hipnotizar sua vítima. "Talvez eu mande ele dar um pulo no meio da rua quando um carro buzinar, ou então tente levar uma televisão de uma loja", João Augusto pensava enquanto ria por dentro com as infinitas possibilidades que aquilo proporcionaria.
Na rua, ao procurar a pessoa perfeita, evitou as mulheres, que poderiam lhe deixar mais nervoso e incapaz de fazer o que planejava com atenção e decidiu escolher um senhor de terno que caminhava decididamente pela calçada. "É só um teste, só preciso de um teste", era o que ele pensava constantemente ao se aproximar do sujeito. Enquanto isso, no seu íntimo, pensava no que faria com os novos poderes adquiridos. Pensou em utilizar a hipnose para conseguir um emprego. Pensou em ligar para o Eugênio, marcar uma saída para a balada. E na balada, imaginava quantas e quantas conquistas conseguiria...
- Bom dia, senhor, pode me ajudar um pouco? - diz alegremente João Augusto.
- Estou com pressa, não posso - diz o senhor na rua
- Eu só preciso de uma direção, não sou daqui, quero saber onde fica a praça central, não sei se fica para ali ou para lá - dizia João Augusto enquanto gesticulava apontando direções diferentes. O senhor de terno olhava fixamente para o rosto dele, visivelmente irritado.
Talvez pelo nervosismo, faltou a João Augusto a lembrança de que apenas pessoas em um determinado estado mental são suscetíveis a sugestões hipnóticas, e faltou também a percepção de que o sujeito que ele havia abordado não estava interagindo com ele amigavelmente, o foco do sujeito estava todo em se livrar daquele incômodo, por isso no momento em que João Augusto decidiu fazer o movimento final do truque, perguntando as horas e colocando suas mãos nos ombros alheios, esperando com isso que o senhor de terno caísse hipnotizado, o homem agiu instintivamente afastando os braços daquele hipnólogo promissor e com um soco certeiro, João Augusto tomba no chão. Sob o olhar de uma dezena de transeuntes perplexos, a corrida irritada do senhor de terno fugindo da cena, João Augusto está estirado no chão, a nuca dói, imediatamente ele leva a mão à face, o olho dói mais ainda, está roxo.
E caído, ele sorri.
Pela primeira vez João Augusto ganhou alguma coisa com a hipnose.


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