Nicoletta Ceccoli |
- Alo?
- Onde você está Maria?
- Sentada!
- Sentada?
- É, no ônibus!
- E onde você está?
- Na estrada!
- Sim, mas em que lugar?
- Só vejo mato!
- Pergunta para alguém Maria!
- Não tem ninguém no ônibus.
- O ônibus tá parado?
- Anda velozmente!
- Então pergunta para o motorista!
- Ele fechou a portinha, não dá!
- Faz tempo que você está viajando Maria?
- Não sei, eu dormi!
- Que horas você saiu? Olha no relógio!
- Eu não tenho!
- Não tem?
- Não! Nunca precisei!
- Olha aqui Maria, quando você chegar me avisa!
Dias depois...
- Maria, por onde você andou? Até a polícia já está atrás de você!
- Eu me perdi!
- Mas como? O ônibus era direto!
- Entrei no ônibus errado!
- E por que deixou de atendeu o celular que eu te mandei?
- Acabou a bateria! Não tinha como comprar outra, daí joguei fora!
- Maria, você precisa ser mais atenta! Onde está sua bolsa? Perdeu também?
- Eu não tenho!
- Um mulher sem bolsa? Onde já se viu isso Maria!
- Nunca precisei!
- Olha aqui Maria, quando chegarmos em casa a gente conversa!
No táxi...
- O que foi Maria?
- Para onde estamos indo?
- Para casa!
- Está me levando de volta?
- Não Maria, estamos indo para minha casa! Está vendo aquela placa? É lá que eu moro!
- Você mora naquela placa?
- Não criatura, aquela é a foto de onde eu moro!
- E por que está escrito aquilo?
- Por que lá não tem pobre!
- (silêncio)...
- Desculpa Maria, não foi o que eu quis dizer!
- Você tem uma linda bolsa! – Sorriu.
Em casa...
- Pode deixar suas coisas no quarto! Ah, eu me esqueci! Me conta, roubaram suas coisas?
- (silêncio)...
- Eu não gosto desse seu silêncio Maria! (...) Bem, acho que vamos ter que comprar um vestido novo para você! Gosta de azul Maria?
- É um espelho?
- Sim, Maria, é um espelho, está vendo?
- Você é muito bonita!
- Olha bem Maria, somos identicas, não somos?
- (silêncio)...
- Gêmeas, é assim que se diz! Não é maravilhoso Maria?
- Eu não me lembro de ter visto um espelho antes!
- Não seja boba Maria...
- O que tem do outro lado?
- Lá vive a Mariá, com acento no A! Conhece?
- (Olha-se, toca sua imagem no espelho e chora. Silêncio)...
- Era só uma brincadeira Maria! Eu estou aqui, na sua frente, para te ajudar!
- Não fui eu que vim para te ajudar?
- Eu já tinha esquecido! Graças a Fundação nos encontramos! Você fará parte de mim agora! Não é Maria?
- É lindo o espelho!
No hospital...
- Está tudo bem Maria?
- (silêncio)...
- Se quiser pode desistir!
- (silêncio)...
- O que está procurando?
- Aqui tem espelho?
- Não seja boba Maria, do que você está falando?
- Estou feliz por ser útil, pelo menos uma vez!
- Eu que agradeço! Você já faz parte de mim!
- Posso segurar a sua bolsa?
- Quando tudo isso terminar eu compro uma pra você!
- (silêncio)...
- Está com medo Maria?
- Como será?
- Acho que vai ser como dormir!
- Vai dar tempo de sonhar?
- Não sei Maria! Não sei!
- (adormecem)...
Na sala de recuperação...
- Se não fosse você Maria, eu não estaria mais aqui!
- Para onde você iria nesse estado!?
- Ora Maria, que observação boba! Você sabe muito bem do que estou falando!
- Olhando pra mim.... Acho que agora não somos tão iguais!
- Por que está falando isso Maria?
- Mariá, somos todos mortais?
- (silêncio)...
- Somos?
Foi então que Mariá, com acento no A, silenciou; e pela primeira vez, chorou.
- Escuta Maria, talvez ninguém entenda o que passamos ou sinta o que vivemos nesses dias!
- O que eu não entendo é se minha vida realmente foi diferente da que salvei!
- (silêncio) Sim Maria, somos mortais!
- Não tivemos tempo para descobrir tantas outras coisas, não é? Mas fico feliz por fazer parte de você agora Mariá!
- Agora somos uma Maria, como sempre deveria ter sido!
- Gêmeas!
- Sim, gemeas.
Na manhã seguinte...
Maria partiu ao amanhecer com o seu novo vestido azul. Deixou para trás uma parte de si. Não levou nenhum documento, a não ser um pequeno espelho - no qual reconheceu o curto tempo de vida que lhe restava. De cabelos soltos e pés descalsos ela sentiu um estranho vazio no seu corpo, que logo foi preenchido pelas primeiras estrelas que surgiram no céu.
Dramoscópio. Emerson Cardoso Nascimento. 2012.