Por Dan Cilva
Foi parido, sem sombra de dúvida, um garoto esguio e cabeçudo. Fábio, mesmo não aparentando, era forte e brincava à beira do rio. Era feliz. Seus pais, um casal saudável, amavam muito o pequenino. Era o que dizia o boletim de ocorrência, caso de Fábio Arruda França, o menino que sumiu na garoa da tarde de 21 de agosto, por volta das 15h30.
Pedro Dantas, um orgulhoso Detetive, acordara de seu transe do tédio daquela massante quarta-feira.Fora jogado sobre sua mesa o caso do garotinho que havia sumido durante uma tarde de densa garoa.
Catando as páginas e passando uma a uma entre os dedos, Pedro observava cada detalhe daquele ocorrido.
-Não há pistas de quem poderia ter atentado contra este garoto.
Sua secretária saiu da sala tal qual entrou e jogou o arquivo, com rispidez e severidade. Sem dar maior atenção do que reparar no par de jovens e torneadas pernas que saiam da sala, Pedro se levanta e vai até o mapa do município que está emoldurado às suas costas. Deslizando o áspero dedo pelo papel, ele para na geografia do tranquilo bairro de Cerqueira da Serra.
Já no local, esquiva-se dos galhos, ensopando-se com o orvalho que a neblina deixou na mata que ladeia o bairro. Ecoa o gorgolejar do riacho por entre as árvores e Pedro observa cada detalhe, cada estranheza para aquele ambiente tão lindo em meio à neblina. Os sons eram tão harmoniosos que podia se distinguir cada um com clareza e o mais próximo era o seu pisar nas pedras da margem do rio. As águas corriam e a neblina recobria de maneira fantasmagórica o caminho deste paciente corredor.
- Vamos, Fábio! Onde você deixou um presente para seu amigo Pedro?
Estava lá, como uma bandeira de rendição, preso em um galho de uma árvore morta, caída no rio, a surrada e lodosa camiseta de Fábio. Tropeçando com água ao joelho, o detetive arranca a peça de roupa do morto galho e a examina com certa excitação. A neblina ficou mais densa, quase um novelo de lã, quando começou a garoar e as gotas que batiam contra o casaco de Pedro eram geladas e fizeram seu corpo estremecer.
Apertando os olhos para evitar a gélida agressão, Pedro não pode precisar o que se vinha.A intensa garoa foi passando e, aos poucos, pode-se ouvir risos de criança.
Pedro olhou em volta.
- FÁBIO!
As rochas cobertas de lodo escuro, toda a vegetação se fazia morta e no horizonte sumiam os últimos raios de luz.
- FÁBIO! ONDE VOCÊ ESTÁ?
Pedro vaga, saindo do rio e adentrando o obscuro bosque de onde vinha o riso do menino desaparecido. Andou por horas até chegar em uma clareira, onde bem no centro, estava prostrado, mórbido, calado, de tronco seco e galhos retorcidos e sem folhas. Pedro demorou a entender que tal garrancho da natureza era de fato uma árvore.
No corpo daquela anedota havia um largo e escuro buraco que Pedro receou a investigar. Tateando a fria boca de madeira morta, o detetive sentiu restos de lama ainda úmida adornando para dentro um rastro viscoso.
As risadas da criança se tornaram mais próximas, porém distorcidas, como se a voz fosse entoada por outra boca. Sem pensar, Pedro precipitou-se para o interior do tronco morto, com medo do que estava por vir.
Os risos, agora acompanhados de pesados passos que faziam a velha arvore tremer, aproximavam-se vagarosamente. O coração quase escapulia da boca de Pedro, que se limitou a fechar os olhos e trancar o grito atras dos dentes.
- Vamos comê-lo?
Era mais um zumbido que uma voz, mas o que fez o detetive chorar foi a resposta em som infantil.
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- Sempre temos fome...