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A CASA DA CRISTALEIRA

Fred Calleti

Avida até que era boa, mas a Cristaleira estava sempre cheia de pó. Ela sentia-se como a cristaleira que esperava para ser limpa. Ela até tinha uma Empregada. Uma empregada tão competente que ela mesma limpava toda a casa com medo de aborrecê-la. Definitivamente ela não tinha nascido para mandar em estranhos! Ao longo dos anos desenvolveu uma ótima estratégia: mandava no marido! Todos os dias, antes dele sair para trabalhar, obrigava-o a instruir e inspecionar o serviço da empregada. Todos os dias, antes e depois de um dia exaustivo de trabalho, o pobre homem repassava as dezenas de instruções para a empregada – todas escritas minunciosamente no “caderninho da faxina”. Enquanto ele instruía a empregada, ela saia para passear com a bebezinha e cachorra pelo centro da cidade. Caminhava durante toda a manhã na expectativa de chegar em casa e encontrar tudo conforme havia planejado. E para garantir que o dia fecharia com chave de ouro, obrigava o maridão a lhe trazer chocolates finíssimos – que eram guardados dentro da cristaleira. Como estava de regime, guardava os chocolates dentro de uma linda baixela de cristal - o local ideal para guardar aquelas delícias! As guloseimas lhe serviriam de prêmio caso a dieta da proteína desse certo. Sonho maior do que perder alguns quilos, era poder ver a cristaleira reluzindo. 
- Se as portas da cristaleira permanecerem sempre fechadas, a danada da poeira não entra! – Pensava. Porém, sempre ao chegar em casa, depois das longas caminhadas, encontrava a cristaleira com a porta entreaberta e repleta de poeira. E os chocolates? Não havia se quer embalagens vazias. 
- Não acredito que aquela, aquela... competente empregada devorou minhas preciosidades! A danada está com o paladar muito apurado! - Pensou. Ela precisa tomar uma decisão mais drástica. Concluiu que não bastava pedir para que o marido instruísse a empregada de como limpar a cristaleira, era preciso que ele também a proibisse, de uma vez por todas, de tocar nos seus chocolates. 
Ao anoitecer teve a ideia. Ela passou o resto do dia esperando o marido chegar. Estava ansiosa para contar-lhe o plano. Para que tudo corresse conforme havia arquitetado, chegou a presentear a empregada com uma dúzia de caixas de chocolate de uma marca inferior, bem inferior, e ainda lhe deu a semana toda de folga. 
- Querido! Que bom que você chegou! Ah! Chocolates pra mim! Mas você é um doce mesmo. O que? Não, não tem janta! Sim, dei folga pra ela. Não, fica aí de pé! Olha o que eu escrevi aqui no seu “caderninho da faxina”! O marido então leu incrédulo:
“A partir de hoje a empregada estará sempre de folga enquanto houver chocolate na cristaleira!” - Ele, tristonho, retrucou:
- Querida, eu queria que apenas por um dia você me  tratasse como trata a empregada!
Ela, de costas, espanando a cristaleira meticulosamente, nem reparou os beiços do marido lambuzados do mais fino chocolate.
Dramoscópio. Emerson Cardoso Nascimento. 2012.


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