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Solução de dois estados, de Michel Laub

Raquel Tommazzi é artista, tem 130 quilos, estudou na Europa e usa sua arte para discutir a violência. Alexandre Tommazzi, seu irmão, é dono de uma rede de academias, religioso, daqueles que prezam a família e os bons costumes. Durante uma palestra em um seminário sobre a violência, Raquel é espancada em cima do palco por um homem que tem ligação com seu irmão. Esse acontecimento repercute no meio artístico, e uma cineasta europeia vem até o Brasil para entrevistar Raquel e Alexandre sobre esse acontecimento para um documentário que trata, também, da violência. 

Essas são as três personagens principais de Solução de dois estados, novo livro de Michel Laub (Companhia das Letras). Como fez em seus livros anteriores, Laub apresenta a história em uma estrutura diferente. Em Diário da queda ele usava parágrafos curtos e numerados. Em Tribunal da quinta-feira, trocas de e-mails e mensagens. Aqui, o livro é dividido entre “material bruto”, “material pré-editado” e inserções no meio da fala dos irmãos. A documentarista, às vezes, aparece falando, fazendo as perguntas para que os entrevistados falem de sua relação familiar e o que culminou a agressão de Raquel. Outras vezes, podemos apenas supor quais foram suas perguntas ou comentários, enquanto os entrevistados seguem quase num monólogo sobre essa relação familiar. 

Desde o começo, Alexandre mostra que suas prioridades são bem diferentes das da irmã. Ao falar da adolescência, relembra o governo Collor e o congelamento das poupanças, resgata o Plano Real, e isso tudo tem um impacto direto na vida do pai, que perdeu dinheiro e acabou morrendo. Enquanto Alexandre se ressente da irmã mais velha que, a esse ponto, já estava estudando Belas Artes na Europa. 

A morte do pai foi um baque profundo para Raquel. Não que eles tivessem o melhor relacionamento, mas ele era um defensor dela em casa — mesmo que essa defesa a irritasse. Sempre gorda, Raquel cresceu ouvindo comentários sobre o corpo, e usa até hoje o apelido depreciativo que recebeu dos colegas para nomear suas obras: Vaca Mocha. Apelido que o próprio irmão ajudou a espalhar pela escola e tornar sua vida social impossível. Cada irmão tem um discurso repetido à exaustão — que Laub explora bastante no livro: ele, o dinheiro, a certeza de que a irmã explorava financeiramente a família enquanto “se divertia” na Europa; e ela o peso, o próprio corpo, sempre presente em suas obras, e a alegação de que o irmão não passa de um miliciano que explora as pessoas sob um discurso motivacional.  

Solução de dois estados vai soltando aos poucos os detalhes dessa relação familiar turbulenta.  Houve a agressão, mas como ela realmente aconteceu? E por que o irmão dela estaria envolvido? O que desperta tanto ódio entre eles? Não vou dizer que um personagem é preferível ao outro. Alexandre é uma pessoa que só pensa no dinheiro e na imagem, todas as lembranças da família, os momentos chave de sua vida, envolvem dinheiro. A crise na empresa do pai, o início da Império, a rede de academias, a sua relação com um pastor evangélico de quem é próximo… Ele é machista, ignorante, bruto ao falar, daquelas pessoas que tem asco a qualquer tipo de intelectualidade. Mas ele ser dessa forma não faz com que Raquel seja uma “mocinha indefesa”. Ela é combativa, tem o objetivo de tocar e chafurdar na ferida dos outros, assim como faz com suas próprias feridas. 

Não é raro os dois serem hostis com a cineasta. Brigam, colocam palavras na boca dela, fogem das perguntas, chegam, até, a humilhá-la a ponto de ser difícil continuar com as entrevistas. Mas é justamente quando a atacam que eles revelam mais detalhes dessa relação de conflito, tão polarizada que não é possível vislumbrar nenhum tipo de reconciliação entre os dois — não que o objetivo dela seja que eles se reconciliem, mas é esse o clima do livro. Ódio, raiva, ressentimento, mágoa. E, para deixar as coisas ainda mais complicadas, ainda há uma disputa pela herança da mãe morta poucos meses antes da agressão de Raquel. 

E tudo isso tem a ver com a violência, uma violência física e verbal que está presente o tempo todo na trama. Violência psicológica. E Raquel é a maior receptora dessa violência. É com horror que você lê sobre todos os traumas que passou por conta do corpo, de como a sociedade e a própria família (o irmão) a tratam. Ao descrever seus trabalhos, deixa claro que todos eles são frutos dessa violência, uma arte que denuncia e desconforta. Que, para o irmão, não passa de pura pornografia, algo obsceno. Mas ao ler a história de Raquel, essa obscenidade ganha outra proporção. 

Solução de dois estados é um ótimo livro para pensar na violência, nas diferenças e na intolerância. Não é uma história de personagens gostáveis, nem um livro que trabalhe com a identificação que muitas vezes procuramos nas leituras. Ele toca aonde dói, ele explora o que há de pior nas relações humanas.


Ficou afim de ler? Encontre aqui Solução de dois estados, de Michel Laub.

Leituras relacionadas:
Diário da queda, de Michel Laub

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