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Esboço, de Rachel Cusk

Para um observador, o cotidiano é um prato cheio de histórias. Qualquer acontecimento mundano pode se transformar em uma narrativa interessante ou desencadear uma reflexão nova. A protagonista de Rachel Cusk em Esboço (Todavia, tradução de Fernanda Abreu) é esse tipo de pessoa observadora e atenta.

Muitos me contaram que não entenderam o apelo de  Esboço, o hype todo que o livro ganhou, e entendo o porquê disso. O romance de Cusk não tem um plot bem definido, não possui um problema a ser resolvido no decorrer da narrativa ou desafio a ser vencido pela protagonista. Ele é o clássico livro onde “nada acontece”, e mesmo assim é repleto de histórias e de boas observações.

Uma escritora inglesa recém-separada viaja para Atenas para dar aula em uma oficina de escrita criativa. Esse é o pontapé inicial de Esboço. Rachel Cusk não apresenta muitas informações sobre a vida dessa mulher, só conta o básico: é mãe, divorciada e está tentando readequar sua vida a essa nova realidade. Já no avião partindo para Atenas, a autora começa a nos apresentar a um grupo variado de personagens que são, na verdade, todo o combustível do romance. É através dessas pessoas que vamos conhecer mais da protagonista, pois as ações dela se dão por meio da interação com os outros.

A narradora é uma espécie de receptora das histórias dessas pessoas. No voo, seu vizinho de assento lhe conta praticamente toda a sua história de vida, os casamentos e divórcios, arrependimentos e alegrias, as vitórias e os fracassos no relacionamento familiar. Em Atenas, outro escritor, colega da oficina, faz um ensaio oral sobre o sedentarismo irlandês e como ele se tornou outra pessoa ao deixar o país. Em um jantar com amigos, uma escritora premiada faz um monólogo sobre o casamento e o papel da mulher e a maternidade, uma narrativa carregada de ego e auto-congratulação onde ela assume ser a voz das mulheres oprimidas. Seus alunos da oficina de escrita lhes apresentam ideias para seus textos e contam causos. É assim simples: a narradora ouve, faz comentários, interage com essas pessoas e oferece aos poucos novas informações sobre si mesma. Não há segredos a serem revelados ou reviravoltas, só esboços de várias histórias acontecendo.

Por isso Esboço é um livro em que “nada acontece”. Não é um livro com surpresas, o que pode desagradar muito leitor acostumado com viradas mirabolantes em uma história. Esse é um livro contemplativo, onde você é impelido a continuar lendo pela qualidade da narrativa de Rachel Cusk e pela curiosidade que temos de conhecer a vida alheia, por mais mundana que ela seja. O que a narradora ouve são confissões íntimas que parecem desinteressantes, mas guardam algo importante em uma camada mais profunda: um modo de enxergar a vida, um traço característico, um medo interno. E essas coisas reverberam em quem lê justamente por serem tão simples, próximas da nossa própria vida, coisas que nós mesmos podemos contar despretensiosamente para um amigo ou desconhecido.

A narradora não é totalmente desconhecida. A vida que a aguarda na Inglaterra aparece vez ou outra no meio dessa experiência de suspensão da sua realidade. O filho liga algumas vezes para perguntar coisas simples. Há lembranças que surgem sobre o ex-marido, pensamentos próprios que ela decide não revelar aos seus interlocutores. Mas isso tudo acontece entre os momentos de interação da protagonista, não há cenas em que ela esteja sozinha refletindo, há sempre alguém movimentando a ação ou prestes a chegar para fazer isso. O que podemos fazer é tentar desvendar essa mulher através do que ela observa, concorda ou discorda.

Esboço é uma leitura simples, fácil, e ótima para quem tem esse temperinho voyeur de observar a vida do outro à distância. A protagonista faz isso com quem encontra, ouvindo muito e revelando pouco. E nós fazemos isso com ela, tentando capturar um pouco mais de sua personalidade. Esboço é o primeiro livro de uma trilogia de Rachel Cusk, e certamente quero ler os outros livros.


Ficou afim de ler? Encontre aqui Esboço, de Rachel Cusk. Lembrando que sempre é legal também dar aquela passada nas livrarias independentes.

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Cidade aberta, de Teju Cole

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