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"O desafio consiste em mantermo-nos no mesmo trilho, o da sensibilização para a importância e pertinência do apoio psicológico."

ENTREVISTA AO DR. MIGUEL TELO DE ARRIAGA



Questão - Tendo em consideração a sua vasta experiência no campo da resiliência organizacional, nomeadamente na identificação dos seus antecedentes emecanismos que visam o seu aumento no seio das equipas de trabalho, gostaríamos que nos falasse sobre o seu percurso profissional e na ligação estabelecida com os Bombeiros.

Dr. Miguel Arriaga - De facto, um ano após a conclusão da minha licenciatura em Psicologia, decidi ingressar nos Bombeiros Voluntários
de Portalegre, em 2005. Esta decisão assentou, sobretudo, na necessidade em conhecer o dia a dia Dos Bombeiros, e no interesse que tinha em vivenciar as dificuldades enfrentadas por estes profissionais no seu quotidiano. Por outro lado, a escassez de metodologias e abordagens válidas passíveis de serem aplicadas na área da psicologia, mais concretamente no campo da avaliação psicológica, foi também um dos fatores que me levou a querer afiliar-me nos Bombeiros.

Importa também referir que dei o meu contributo para o desenho da primeira pós-graduação em Intervenção Psicossocial em Situações
de Crise de Emergência, em Portugal. A implementação desta pós-graduação foi muito bem-sucedida, uma vez que existia, por parte
de profissionais de saúde e elementos operacionais, uma necessidade premente em desenvolver novas competências que lhes permitissem intervir mais proativamente em situações de crise. Durante cerca de 10 anos, estive em Hamburgo a lecionar cursos promovidos pela Comissão Europeia, cujo principal objetivo passava pela preparação de líderes de comissões internacionais da União Europeia. Nestes cursos, para além de serem discutidos temas relacionados com a gestão de stresse e aprimoramento de estratégias de coping (aquelas quenos ajudam a lidar com o stresse), também era abordada a importância

"O meu trabalho no âmbito
da intervenção psicossocial, gestão e comunicação de crise tem-se baseado nos 3 P´s: proteção, prevenção e promoção."

da gestão da resiliência.Por último, o trabalho na Direção-Geral da Saúde desde 2015, tem permitido continuar o desenvolvimento
de algumas repostas no âmbito da promoção da saúde dos bombeiros, de que é exemplo o Manual de Promoção da Saúde e de um Estilo de Vida Saudável nos Bombeiros Portugueses. Outro ponto que me parece importante destacar para a nossa conversa é a análise da perceção de risco na população portuguesa que estamos a realizar desde inicio desta pandemia. Esta atividade tem sido fascinante, já que nos permite obter um conjunto vastíssimo de dados que nos ajudam a delinear políticas de saúde pública. Devo dizer que sempre tive um enorme interesse pela área da investigação aplicada! O meu trabalho no âmbito da intervenção psicossocial, gestão e comunicação de crise tem-se baseado nos 3 P´s: proteção, prevenção e promoção.


Q- Como podemos, na sua opinião, desenvolver
a resiliência de profissionais sujeitos
a possíveis eventos traumáticos durante
o expediente, como é o caso dos Bombeiros?

Dr. Miguel Arriaga - A resiliência é, a ajuda ntes de mais, um constructo.
Ou seja, é o resultado da interação entre uma multiplicidade de fatores  intrínsecos e extrínsecos. Com efeito, depende de cada indivíduo e dos  seus traços de personalidade, mas também de aspetos inerentes ao seu contexto ou meio. Contudo, em termos gerais, julgo que a resiliência deve ser definida como a capacidade que nos permite usar as estratégias que já estão em nossa posse, de maneira a ultrapassar situações de natureza adversa.
Devemos frisar que a utilização das nossas ferramentas na resolução de problemas é um exercício difícil e complexo. Porém, há um aspeto  muitíssimo importante relativo à resiliência: é uma capacidade trabalhável e passível de ser melhorada. Após a superação de situações desafiantes, adquirimos uma proteção extra para enfrentar o quotidiano e fazer uma mais adequada gestão do nosso stress.
Se pensarmos bem, podemos pensar sobre este tema através da imagem de um copo: as adversidades do dia a dia vão enchendo o nosso copo, e uma maior resiliência evita que este transborde.
A resiliência dos Bombeiros pode ser trabalhada numa perspetiva pré, peri e pós. Primeiramente, o desenvolvimento prévio desta capacidade
antes do potencial evento traumático pode ser concretizado mediante  programas de formação, sendo que a Escola Nacional de Bombeiros
tem tido um papel determinante neste ponto, e da ação dos Corpos de Bombeiros, que devem indicar aos seus elementos as “bandeiras
vermelhas� que exigem a necessidade de um pedido de ajuda psicológica.
Por seu turno, a resiliência pode ser fortalecida durante o evento adverso, através da intervenção de equipas de Apoio psicossocial  acionadas neste tipo de situações. Julgo que é importante salientar que, neste aspeto, Portugal é uma referência mundial na criação de equipas de apoio psicossocial. Estas equipas são automaticamente ativadas, aquando do surgimento de certos cenários críticos a enfrentar pelos Bombeiros. Por último, a resiliência dos operacionais pode também ser trabalhada numa fase posterior, mediante, por exemplo, a sinalização de determinados elementos pela própria Corporação.


Q - Considera que as ações de desenvolvimento
de resiliência dos Bombeiros devem ser
feitas exclusivamente por profissionais de
saúde mental, nomeadamente psicólogos?

Dr. Miguel Arriaga - Sem dúvida que as ações devem preferencialmente ser realizadas, ter a organização e o planeamento de profissionais
com formação nesta área, como é o caso dos psicólogos. Parece-me ainda fundamental a criação de oportunidades de promoção da resiliência entre pares. Muitas vezes encontramos operacionais disponíveis para
abraçar estes desafios, com apoio e formação, podem dar respostas muito importantes nesta área. Já relativamente a intervenções mais
complexas até no âmbito dos primeiros socorros psicológicos, penso que devem ficar na área de intervenção dos profissionais de saúde mental.

"O apoio psicológico é, diria, equivalente
a um suporte avançado de vida!"

A prestação deste tipo de apoio, que visa o incremento dos níveis de resiliência e bem-estar dos Bombeiros, tem de seguir um conjunto específico de metodologias. Não podemos esquecer que quem  proporciona este tipo de auxílio deve estar treinada para o efeito.
O apoio psicológico é, diria, equivalente a um suporte avançado de vida!


Q - De acordo com a sua experiência, em organizações com uma estrutura hierárquica bem definida, como é o caso dos Bombeiros, existe alguma relutância em pedir ajuda psicológica e em falar sobre estas temáticas.
Atualmente, como considera que estamos nesta matéria?

Dr. Miguel Arriaga - Julgo que sim. Existe, a meu ver, uma maior sensibilidade e uma perceção mais favorável relativamente à necessidade de, em certos casos, pedir apoio psicológico. Claro está que esta consciência não é igual em todo o país, depende de cada corporação. Contudo, globalmente, pode-se dizer que esta temática tem sido alvo de uma maior atenção no seio dos Bombeiros. O caminho da sensibilização já foi percorrido, muito graças  a todos os colegas da área da psicologia! Parece-me que, mais uma vez, importa destacar o papel fundamental que a Escola Nacional de Bombeiros  e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tem tido no fomento desta consciência, devido à constante divulgação de programas formativos e divulgação de produtos de comunicação. Recordo que, muito antes de terem sido criadas as equipas de apoio psicossocial, os poucos
psicólogos deslocavam-se voluntariamente a qualquer parte do país onde eram precisos. Mas como disse, o desafio consiste em mantermo-nos no mesmo trilho, o da sensibilização para a importância e pertinência do apoio psicológico. Devemos aumentar a oferta, mediante a criação de uma rede de suporte psicossocial ainda mais ampla e robusta! Felizmente as sementes foram plantadas e agora estamos a colher o que semeámos.


Fonte: Fundação para a Ciência e Tecnologia



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