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Gentílico colatinense.


Chegamos. Tarde quente. Janeiro. Mormaço. Os raios do impenitente sol reverberavam à pista da grande ponte esticada pelos oitocentos metros que unem os dois lados da Cidade. Meu pai trouxe um sonho de dias melhores, partilhado com toda a família, e também o rádio, um dos seus poucos entretenimentos. Estávamos todos como crianças, embevecidos com o lugar e com a possibilidade de tomarmos coca-colas geladas, toda a semana.

Pelo lado norte, por onde chegamos, vim saber anos mais tarde, tivera o nome de Francilvânia. Fora comunidade liderada por tal senhor França, um engenheiro que demarcara a sua colônia entre a barra de dois rios, comunidade que não vingaria aos ataques dos Botocudos – índios que resistiram tenazmente à invasão ao seu habitat natural. Mas a semente da cidade estava irremediavelmente plantada e os Botocudos logo seriam dizimados e reduzidos a relatos sobre índios perigosos e a
gravuras, como as de Jean Baptiste Debret, que afirmavam a "condição miserável e cruel, e a insensibilidade dos indígenas para concorrer na melhoria da humanidade". Não importava mais o que se passou, Francilvânia semente, floresceu o bairro São Silvano – certamente que não sem muita luta de seu povo – para compor a parte norte da cidade.

Guardo tão bem comigo os detalhes mínimos da nossa chegada àquela cidade. O Rio Doce manso a um todo sol, a ponte Florentino Ávidos dando passagem a apressados Opalas Comodoro, aos Dodges, aos Fiats 147, às Brasílias, às Variants, aos Fuscas... As placas nos bares anunciavam Cola-Cola e
Graphete. Das fotografias daquele dia, a mais perfeita na lembrança foi a do Cristo, de braços completamente abertos, posto em estátua branca, de corpo inteiro, com mais de trinta metros, cravado no cimo do morro do lado sul – era aquilo um prato cheio para alimentar a nossa esperança para com Aquela Cidade e com o novo ano de setenta e sete. Era certo que amanheceriam dias dourados.

O tempo passou e até somos felizes...


É lógico que a vida em qualquer lugar do mundo é com todo o chão à nossa volta, coberto ou não de areia, é uma arena que desprende grãos aos ventos revoltos, e se quisermos continuar a enxergar lirismos – e é bem certo – faz-se necessário muitas vezes fecharmos os olhos num raio de muitos metros para que não se cegue o coração. Só então os ombros sentem mais leve o fardo – até nos entardeceres.

Assim, daquele ano de setenta e sete em que meu pai ouvia em seu motorádio a canção “Marcas do Que Se Foi” - dali em diante aquela cidade de nome engraçado, que é a princesa do norte capixaba, fortificou-se demasiadamente em mim, e por mais que ande pelo mundo afora, conheça as capitais e seus faustos, e mesmo que nem goste tanto mais de cola-cola, quando chego pela BR 259, ao avistar as águas do Rio Doce, tenho em mim a deleitosa sensação de não ser despovoado comigo, porque o meu encantamento é de primeiro grau por esse rio, por essa cidade, por essa gente, por essa vida.

Com vocês, meu amigo 
Zé Geraldo - Rio Doce


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