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CARTA CAPITAL| DEPENDE DO STATUS

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Depende do status

Meu amigo Adamastor queria saber se pecuarista também pode ser preso

Não entendo o Adamastor: tão esperto para algumas coisas e tão ingênuo, para não dizer bronco, para outras. Quando leu a notícia de que um pecuarista, muito a fim de uma vaga no estacionamento de um shopping, teve de disparar três vezes seu revólver contra um espertinho que lhe frustrou o propósito de estacionar, ele, o Adamastor, veio correndo até aqui em casa, perguntando: E daí?

A notícia me indignou, mas tentei dar uma resposta equilibrada, apesar de não saber bem o que seja este equilíbrio e comecei dizendo-lhe que bem, e daí é instaurado um inquérito policial, em que todos os detalhes vão ser relatados, todas as circunstâncias esclarecidas, trabalho que geralmente demanda um bom tempo.

O Adamastor quis saber quanto tempo, e, ora bolas, depende da dificuldade ou facilidade encontrada pelos investigadores para levantar os fatos. Impossível uma previsão do tempo. Finalmente, esse inquérito deve ser remetido ao juiz. Em alguns casos, como o crime de morte, forma-se o júri popular.

E tudo aquilo: promotor público, advogado de defesa, testemunhas, provas materiais, provas circunstanciais, júri, acusação, defesa, réplica, tréplica, apelação. E as instâncias também. Não aprofundei muito o assunto porque não sou advogado e por certo cometeria alguma gafe. Uma de minhas poucas virtudes é saber que pouco sei.

Percebi que meu amigo não estava muito satisfeito, que, enquanto eu falava, ele olhava para os lados demonstrando uma irritação e uma impaciência que, por ostensivas, começaram a me perturbar. Mas, como já tinha começado a expor toda minha reduzida sapiência jurídica, não interrompi a dissertação antes de chegar ao fim. Que em verdade não estava muito longe. Quando terminei, notei que ele estava suado. Suado e quieto. Acho também que estava sofrendo.

– Entendeu? – perguntei meio que didaticamente, com aquela empáfia de professor que se julga o dono do conhecimento.

– Isso aí tudo eu sei – respondeu-me com voz rascante e um pouco agressiva – mas você não deve ter prestado atenção na condição social do indivíduo. E ele repetiu a história dando mais alguns detalhes: um pecuarista, era o que informava o jornal, dono de várias fazendas em estados em que tal atividade humana é apropriada.

Mas agora eu é que não estava entendendo. E daí? – devolvi-lhe a pergunta.

Ele me perguntou se podia se servir de um cafezinho, a garrafa térmica à nossa frente oferecendo-se. Só me encarou novamente depois de ingerir o caldo do ouro preto.

– E daí, o que eu queria saber é se pecuarista também pode ser preso.

Consultei com urgência os escaninhos da minha memória, que não me ajudou em nada.

− Bem – encerrei –, isso aí já não sei responder.



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