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A chave do destino


Eu tinha uns 14 anos e um melhor amigo.  Fomos ao shopping para fazer algo que a minha memória reluta em recordar. Nessa qualquer coisa que fazíamos o destino se apresentou a nós; Encontramos duas meninas, Carla e Alice. Eu não tinha o menor traquejo com garotas. Não sabia o que falar com elas, não sabia como falar com elas, não sabia o que fazer com os meus longos braços desengonçados de pré-adolescente.

Já meu amigo, ele era muito esperto, manjava tudo de garotas. Eu o invejava por isso. Ele olhou para Alice e decidiu que a queria. Na praça, no lado externo do shopping – que hoje nem existe mais –, Rogério apresentou-se, me apresentou, sentamos ao lado delas e começamos a conversar.

Ele se destacou um pouco para conversar com Alice, e me deixou a sós com Carla. Que desespero! Carla parecia ser uma menina  com uma certa experiência de vida, eu sequer conseguia acompanhar a forma como ela falava das coisas. Por mais que eu me esforçasse me sentia vergonhosamente inexperiente perto dela.

Obviamente não consegui ganhar um beijo naquele dia, mas Rogério também não. Ocorre que Alice estava no shopping para comprar um presente para seu namorado e Carla não quis nada comigo por que eu era muito eu. Creio eu.  Meu amigo não quis dar o número telefone a elas – telefone fixo, pois, naquela época, celular era um artigo de extremo luxo - Dei o meu.  Alice ligava para minha casa  procurando Rogério que era meu vizinho de porta. Mas quase nunca ele estava em casa na hora em que ela ligava. Então ficávamos conversando sobre futilidades de forma despretensiosa.

Através dessas nossas conversas desenvolvemos uma grande amizade, que não demorou muito se tornou outra coisa. Mas não poderia me declarar. Além de ela ter namorado, era meu amigo que havia se interessado por ela.

Numa dessas conversas, Alice me falou que na verdade era Carla é que estava interessada nele. Dei o recado a Rogério, que numa praticidade incrível falou: “Tranquilo cara! A Carla também é gata!”.

Tempos depois meu amigo e eu nos encontramos com elas. Mais que depressa Rogério deu um jeito de beijar Carla. Eu não sabia muito bem o que fazer na companhia de Alice. Ela estava sentada no banco, e não sei exatamente como tudo aconteceu, mas eu e ela nos beijamos. Acho que seria necessário escrever  outro conto para explicar  o senti quando a beijei.
Minha benção, minha maldição. Eu que já estava completamente apaixonado por ela, depois daquele beijo ...

Estávamos nos encontrando com certa frequência, ela ainda tinha o namorado. É, isso mesmo... eu era o outro. Mas isso não me importava muito. Ainda mais aos 15 anos de idade. Eu sofria, mas preferia não ter o todo a perder a fração que tinha.

Um dia ela simplesmente sumiu. Naquela época não havia redes sociais, ou outras que ajudasse a procurar uma pessoa. Ela mudou de telefone. Não sabia o que fazer. Um dia ela estava do meu lado e de repente ela  desapareceu sem deixar rastros. Porém deixou comigo tudo o que sentia por ela e a falta que ela me fazia.

Um ano e alguns meses depois, meu telefone tocou. Do que me recordo, essa foi a primeira vez que efetivamente fiquei sem voz. A forma típica de ela dizer “alô” eu poderia reconhecer mesmo depois de 50 anos sem ouvir. Imediatamente toda a dor que sentia sumiu. Falei com ela como se ontem estivesse comigo. Não ousei perguntar o porquê de ter sumido, foquei na felicidade de ela ter voltado. Conversamos longamente. Voltamos a nos encontrar e eu voltei a ser feliz!

Uma faca perfurou meu coração, foi retirada e tornou a ser colocada no mesmo local, na mesma ferida. Novamente ela sumiu. Dessa vez eu tinha o novo telefone dela, mas por uma infelicidade da vida, ou do destino, essa agenda se perdeu.

Alice tinha me enviado uma carta, e nela estava o endereço dela. Eu não sabia andar muito bem pelos bairros e ruas do Rio, mas eu fui procurá-la. Já tinha determinado mentalmente que eu apenas queria vê-la, nada mais. Se eu a encontrasse não iria falar  nenhuma palavra. Ela nem precisava saber eu a havia visto. Eu era tão bobo e inocente que apenas contemplar a figura dela era o suficiente. Procurei, mas não encontrei onde Alice morava. Voltei pra casa carregando, além da saudade e do amor que sentia por ela, dores terríveis nas pernas. Acho que até hoje não andei tanto como naquele dia.

Hoje percebo que eu havia dado a ela uma chave de acesso e  ela entrava e saia da minha vida quando queria. Não que as sucessivas partidas dela não me doessem os ossos, mas somente a presença dela aliviava essa dor. O amor tem dessas coisas, muitas vezes o único remédio que existe para curar uma dor profunda é estar ao lado de quem a causou.  Como se ela fosse o soro contra o próprio veneno.

Precisava ter de volta essa chave, porém, nunca mais vi ou ouvi falar de Alice.

Coisas que acontecem na nossa vida que moldam quem nos somos hoje. Estava no shopping, procurando em várias lojas roupas de banho.  Dotado de todo excesso de pragmatismos masculino, o objetivo era entrar, comprar o necessário – previamente estabelecido - e ir embora. Uma missão que não demoraria mais do que meia hora. Entrei em uma loja qualquer, encontrei o que procurava e fui para a fila do caixa.  Qual surpresa a minha quando a mulher que estava a minha frente olha para traz e percebo que, depois de quase 10 anos, Alice está bem ali.

Depois de uma sucessão de meias palavras e risadas que exprimiam a surpresa de nos encontrarmos de forma tão inesperada. Depois de quase 10 anos, no abraçamos novamente.  Não sei definir exatamente o que senti naquele momento.  Hoje eu sou bem diferente do que era naquela época, não sou mais inocente como era antes. E jamais na minha vida voltei a dar chave alguma a alguém.

“Como você está?”
“O que está fazendo da vida?”
“Nossa... quanto tempo!”
E a inevitável pergunta... “Alice, porque você sumiu?”

Falamos sobre tantas coisas enquanto dávamos voltas sem direção pelo shopping. Hoje ela está casada com o mesmo cara que ela namorava aquele tempo. Eu contei pra ela da minha vida bandida, da boemia e de Deus. Era como se tivéssemos assunto para cinco anos de conversa, eu tinha apenas alguns minutos.

Estranho é a palavra que define melhor o nome do sentimento ao estar conversando com ela novamente depois de tanto tempo.  Estranho é que mais uma vez, ao olhar para ela, não senti nenhuma gota de rancor ou mágoa. Fiquei feliz em vê-la. Talvez o tempo e a vida tenha curado tudo.
 
Ela me convidou para almoçar com ela e uma amiga que a estava esperando na praça de alimentação. Se fosse no passado, deixaria qualquer coisa para estar com ela, mas hoje eu tenho uma vida e ela outra. Tive que negar o convite, e logo em seguida nos abraçamos uma vez mais e nos despedimos.

Ela seguiu para um lado eu para sentido oposto.  À medida que eu caminhava, ficava olhando para trás observando ela sumir no meio de tantas outras pessoas. Alice dobrou à esquerda em uma loja e não pude mais vê-la. Voltei-me para frente e segui meu caminho pensando na ironia do destino.  De repente me dei conta de algo que jamais poderia ter me esquecido: Pedir que ela me devolvesse a chave.

Bruno Nasser


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