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O rio

Tags: velho barco
- Será apenas mais uma pequena aventura, se é que podemos chamar de aventura. 
Assim disse o Velho velejador que já atravessou os sete mares - segundo as histórias que ele conta - ao saber que deveria cruzar um pequeno rio.

Certa vez, ele contou que deveria levar um grupo de pessoas de uma ilha de volta para o continente. O tempo estava cinzento e todos estavam meio receosos de entrar no Barco. Mas o velho garantiu: “Se há alguém que possa levá-los com segurança para casa, esse alguém sou eu!”.

Ninguém acreditou muito nas palavras dele, mas todos entraram a bordo. Afinal, não haveria outra forma de sair daquela ilha. A medida que avançavam no mar o tempo ficava mais feio. E no meio caminho, aquele grupo de pessoas em um barco cercado de água salgada por todos os lados, se deparou com uma fortíssima tempestade. As ondas batiam com tamanha violência na embarcação que a impressão que se tinha era que, de alguma forma, o mar nutria alguma espécie de ódio por eles.

De acordo com o velho, o mar estava com ódio sim. Mas não das pessoas, nem do barco, mas dele.

O mar sempre tentou impor-se, mostrar que aquele era o espaço dele. Mas o velho sempre dava um jeito de passar pelas dificuldades impostas. Tempestades, redemoinhos e ondas girantes. Bússolas ficavam desorientadas. Quando tentava então seguir orientado pelas estrelas, o mar criava neblinas tão densas que forçava o velho a guiar apenas pelo instinto. Ele sempre vencia os desafios do mar. O mar parecia odiar isso.

Dessa vez não foi diferente. Depois de atravessar a fúria do mar, atracou no porto improvisado pelos pescadores da região e todos desceram em segurança. O velho permaneceu no barco e ficou olhando para o horizonte do mar.
Havia certa ironia em vez o sol aparecer por detrás das nuvens com imenso vigor, após ter conseguido chegado à praia. 

- Não foi dessa vez! Falou o velho, baixinho para o mar, com um leve sorriso no canto da boca enquanto acendia um cigarro amassado.

Houve outra vez em que o mar quase venceu. Conseguiu afundar o barco, deixando-o a deriva sobre um pedaço de madeira, cercado de tubarões. Como o velho se livrou dessa ninguém sabe ao certo, mas naquela noite ele comeu carne de tubarão no jantar. Dias depois, recuperou o barco que precisou de reformas.
O velho conhecia tudo, sabia todos os caminhos, como se livrar das armadilhas, não havia ninguém mais experto que ele na arte de vencer os desafios das águas.

Ele foi chamado para buscar alguns turistas que estavam em um vilarejo que só se podia chegar pelo rio. O velho se sentiu ligeiramente incomodado com o convite. Afinal subir um rio tranquilo e calmo era um trabalho simples demais para ele. Qualquer um poderia fazer esse serviço. Mas como o pagamento era agradável, preparou seu velho barco, acendeu seu cigarro, ligou os motores e lá foi ele.

Entrou no rio confiante e na primeira curva do rio o barco prendeu. Era raso demais. Manobrou, acelerou, forçou o motor e saiu de lá.
Foi apenas uma intercorrência, nada grave. Nada que abalasse a confiança do velho que continuou seguindo.

O rio era estreito, e permitia que ele visse de bem perto a vegetação e os animais. Era tão bonito. O cheiro das plantas o fascinou. Não que ele não conhecesse o cheiro das plantas e a vista da mata. Mas era aquele cheiro, era aquela vista, aquele rio, que mexeu com o velho de uma forma diferente e profunda. Ele ficou olhando os peixes que saltavam na frente do barco, pareciam voar. As flores que caíam das arvores e formavam um colorido fascinante naquelas águas transparentes. Transparentes ao ponto ser possível ver com clareza os peixes, de diversos tamanhos e cores, que pareciam seguir o barco. Era lindo!

E toda aquela beleza fez surgir no velho uma humanidade que ele mesmo já havia esquecido que tinha. Lembrou-se de sua mulher, que o abandou há anos atrás. Ela fugiu com um pescador, de barco, pelo mar. Ele viu o barco ir embora. Viu sua mulher partir.

Aquele rio fez ele se lembrar de tantas coisas. Mas não doía. Aquele rio parecia curar as feridas abertas.

Ele olhou para o horizonte do rio, respirou fundo e desligou os motores do barco. O velho queria apenas ouvir o som daquele rio e deixar o rio fluir dentro dele. Ele nem percebeu passou do local aonde deveria buscar os turistas. O grito deles ao ver o barco passar não foi suficiente para fazer calar o som do rio que falava no coração do velho.

Diante da tão intensa experiência com o rio, o velho também não percebeu a enorme cascata que estava à frente. E quando viu - diferente de tudo o que havia feito até então - não ligou os motores, não fez tudo o que sabia, não lutou. Ele ficou sentindo o sol brilhando forte, sentindo as pequenas gotículas de água doce que batiam e refrescavam seu rosto. E sentindo o rio sentiu o tempo parar. Naquele momento, o mundo era o ele, o barco e o rio. 

O velho acendeu outro cigarro amassado, fechou os olhos e não pensou em nada. Apenas abriu os braços e deixou o rio levar o barco... levar o barco ... 

E levando o barco, o barco caiu cascata abaixo.

Encontraram o barco, mas nunca encontraram o velho. Alguns dizem que ele morreu, outros dizem que ele ficou com tanta vergonha por ter caído nas armadilhas de um rio que e resolveu sumir. Tem aqueles que afirmam que ele apenas estava cansado da vida que levava, aproveitou o acidente e foi tentar algo novo, apesar da idade avançada.

Não se sabe se ele está vivo ou morto, nem as causas do acontecimento.

Na espelunca frequentada pelos pescadores, durante muito tempo, o ocorrido foi o assunto de todas as mesas e cachaças. Um conhecido do velho falou algo que até hoje todos acreditam que seja a causa de tudo.

- Se ele era tão sabido de como lidar com as águas, o mais experiente de todos da região, como ele falhou desse jeito? Perguntou um rapaz ao ouvir a história do velho.

- Ele se apaixonou pelo rio. 


Bruno Nasser


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