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Outro motivo para me chamarem de chato

Marcos R.
03/02/2011

Era festa de aniversário de um amigo e eu dividia uma mesa com outras três pessoas. Entre um comentário e outro, era evidente que nenhum de nós estava adorando as apresentações musicais exibidas em uma televisão próxima. Nossos ouvidos eram atingidos por composições que tratavam das facetas obscuras do amor não correspondido, entoadas por amplamente conhecidas (ou nem tanto) duplas sertanejas.

No contexto brasileiro, esse tipo de música é quase universal: nem todo mundo gosta, mas é uma das poucas coisas que podem ser tocadas sem que algum grupo se sinta profundamente deslocado, ofendido ou perturbado. Pretensamente, é claro. O fato de esse gênero musical ser apreciado por muitos segmentos da sociedade brasileira impossibilita que fiquemos alheios a ele, seja indo ao trabalho ou estando apenas descansando em nossas próprias casas. Os seus vizinhos também podem te atormentar com essa ou outra inconveniência musical.

Acredito que todas as manifestações culturais devam ser respeitadas. Mas, fã declarado que sou da banda islandesa Sigur Rós, apenas imagino o que aconteceria caso eu resolvesse escutar uma de suas canções, com seus vocais estranhos e letras incompreensíveis, ao máximo volume de som. Eu receberia olhares furtivos e entreouviria uma ou outra reclamação abafada, na melhor das hipóteses. Ora, se você quer ser respeitado em sua quietude, é melhor respeitar a quietude das outros! Risos à parte, é também por isso que, às vezes, me chamam de chato. Prezo pela liberdade de escolha de que disponho e tenho o direito de, igualmente, reclamar quando algo não me agrada.

Nada disso seria problema para mim caso meu senso estético estivesse, ainda agora, perfeitamente intacto. Acontece que eu estava ouvindo músicas aleatoriamente e, estranhamente, pelo menos duas delas eram canções que eu normalmente afirmaria não serem compatíveis com a minha imaculada sanidade. Primeiro, Água de Oceano, da dupla Vítor e Léo. Em seguida, Saber Voar, da banda de reggae Chimarruts. Por fim, o player anunciou Ordinary World, do grupo inglês Duran Duran. O que me chamou a atenção foi uma indubitável e assustadora verdade: achei bom. Será que não é essa a hora, afinal, em que preciso observar o meu reflexo distorcido e lançar questionamentos a respeito de mim mesmo? Tudo bem, sem tanto drama.

Certamente vou continuar detestando tais gêneros musicais. O que acabo de relatar, contudo, surge como uma faísca ameaçadora. Passei muito tempo me gabando por manter certa distância dos produtos da chamada “Indústria Cultural”, tão atacada por mim no ano que se passou. Dezenas de afirmações do tipo “aquele programa não faz mais que alienar as pessoas” ou “não gosto do cantor fulano porque ele é ‘completamente’ Indústria Cultural” se fizeram presentes em meu imaginário e em minhas falas. Mas, daqui a algum tempo, talvez eu perceba que muitos dos livros, filmes, músicas etc., que eu acreditava detestar por serem genuinamente “ruins” (é claro, sem considerar evidentes afrontas ao bom senso, como Minha mulher não deixa não e similares) somente figuravam em minha lista negra devido ao fato de autores ou pessoas do meu círculo social afirmarem que eles não eram produtos culturais autênticos. É a dúvida que surge a partir do conflito entre o que devemos fazer ou sentir e o que é verdadeiro. Enquanto crescemos, nossas inclinações se manifestam espontaneamente ou somos moldados (pelos outros e pela mídia)? Possuo, desde sempre, minha liberdade de escolha? Sem maniqueísmos e para mim mesmo, lanço o problema.




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