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NÓS, O SONHO E A ANTENA II





(CONTINUANDO...)
[leia a primeira parte aqui]

Eu falava em minorias. Bem, entendemos como minorias grupos específicos que são marginalizados por serem, assim... específicos. Como falava antes, todo mundo é marginalizado de alguma forma, logo, todos nós pertencemos á alguma minoria. A verdadeira pergunta deveria ser quem é essa "maioria"? Paradoxalmente, ela também é uma minoria, mas não é nem um pouco marginalizada. Trata-se dos "donos do poder" (não no sentido dado pelo pesquisador Raymundo Faoro, mas na acepção grosseira do termo mesmo), aqueles que estão por cima.

O que caracteriza alguém marginalizado é a privação. Privação de oportunidades, geralmente, seja por preconceito ou por carência mesmo de recursos. A maioria que é uma minoria não passa por isso, simplesmente porque tem todas as portas abertas para si. Ela se adapta muito bem á uma coisinha chamada capitalismo.

Esse sistema que surgiu há alguns séculos, promete continuar por mais alguns séculos, para desconforto de muitos. Ora, o capitalismo é um sistema econômico criado por seres humanos, mas que acaba por explorar em demasiado alguns desses seres humanos para que outros fiquem em demasiado conforto. Claro, essa é só uma leitura ligeira, por conta do nosso limite de tempo e espaço.

Todos querem a mesma coisa: liberdade e respeito. Ás vezes uma é vista como consequência da outra. Sim, muitos sonham com mulheres e poder, mas podemos negar que o poder não traga respeito e que sair com as mais lindas mulheres não se trate de um tipo de liberdade (a amorosa). Onde os sonhos morrem? Nas barreiras que esse sistema impõe.

Eu sou um tanto pessimista em relação á natureza humana e não creio que se abolirmos o capitalismo conseguiremos viver em um mundo de paz onde ninguém dominará ninguém. Para mim, o desejo de ser livre e respeitado também pode criar novas formas de exploração - a necessidade de se diferenciar de seus pares pode fazer nascer daí uma autoridade.

No entanto, isso não pode se tornar um aval para que desistamos de qualquer forma de mudar o presente. Há algo errado sim em nossa vida e podemos mudá-la, mesmo que reconheçamos que chegar a um estado ideal de liberdade e respeito não possa ser plenamente alcançado. Ora, podemos alcançá-lo em partes.

Para mim, as minorias, me referindo aos movimentos sociais agora, falham justamente em cair em uma utopia mais que romântica ou em não ter uma perspectiva mais ampla da luta social. Se todas querem ser respeitadas e livres, por que não se unir? E por que não nos unirmos á elas?

Os problemas não estão separados, como se cada gôndola de um supermercado guardasse em sua prateleira problemas de X tipo e em outras questões da classe Y. Não, está tudo interligado. Questão indígena e reforma agrária, racismo e desigualdades sociais, machismo e desestruturação da família, corrupção e falência do sistema educacional, tudo está ligado. Defendermos um mundo com menos racismo (menos, porque erradicar o preconceito é uma tarefa impossível - o preconceito se resignifica, toma novos contornos) é ajudar a repensar a questão das terras indígenas e com ela o latifúndio e assim por diante.

O SONHO


Ah, a democracia! Depois de passarmos pelos mais diferentes autoritarismos, o Brasil pode se declarar democrático. Será? Primeiro, nosso sistema democrático é aquele onde alguns se beneficiam e muitos se ferram, como isso pode ser democrático? Segundo, existe algum sistema democrático verdadeiramente democrático? Ora, a tão idolatrada democracia norte-americana é composta por apenas dois partidos e as eleições podem não ser obrigatórias, mas a última palavra é sempre de um colégio de magistrados da Suprema Corte. No Paraguai há pouco tempo, se aproveitando de um dispositivo legal vago o presidente foi deposto tão rápido que não conseguiu planejar a sua própria defesa. E nós, nos anos 90, elegemos um sujeito construído pela mídia e pelos "donos do poder".
Ou seja, que a democracia pode ser manipulada, isso já não é segredo. O interessante é que a culpa não é toda dos poderosos, mas também de todos nós, que  nos omitimos de nossa responsabilidade de cobrar, pressionar nossos representantes. Afinal, nosso sistema eleitoral tem várias arapucas, como por exemplo as coligações e a questão de representação classista. Para ganhar votos, eu me alianço com mais dois partidos. Tão logo sou eleito, os partidos vem me cobrar medidas que os beneficiarão. Agora digamos que eu seja um candidato que representa uma categoria - no caso, os hidroviários. Eu construo minha carreira em cima da defesa dos hidroviários. Então sou eleito deputado federal. Como político, automaticamente sou representante de todo o povo e de um categoria em específico. Nem sempre os interesses dos dois andarão lado a lado e quando isso acontecer a quem ele deverá maior fidelidade: seus eleitores ou o povo em geral?

Ora, os partidos e as categorias são melhor representadas porque sabem como cobrar de seus candidatos. Em nós falta esse poder de pressão, talvez por uma contingência histórica que tenha criado uma cultura da conformação ou pela nossa desfragmentação como sociedade civil.
Um sistema totalmente democrático, portanto, continua um sonho, enquanto os interesses negociados beneficiem essa maioria que é uma minoria. Claro que esse não é um regime sagrado, totalmente perfeito, mas cabe a nós não nos desacreditarmos totalmente dele. Até agora, de todos os anteriores, esse tem sido o  "menos pior" que enfrentamos. Há brechas no jogo viciado da política e se for o caso há como criar novas regras, essas pelas pessoas e não apenas pelo Legislativo. O povo pode criar novas formas de fazer política que não passe necessariamente pelo jogo partidário. Movimentos comunitários, militância pelas redes sociais, etc. Talvez esses sejam o sinal dos novos tempos.

A ANTENA


Há pessoas que são sensíveis á coisas que gente normal não consegue sentir. Alguns são chamados de médiuns, outros de gênios e há aqueles que são conhecidos como radicais. O radical é como se fosse uma antena, captando as ondas ao seu redor e retransmitindo para a televisão. Aos poucos se forma uma quadro, uma imagem. Imagem que é carregada em ondas pelo ar, invisível a olho nu, e traduzidas pela antena.

Por ser mais observador, os radicais podem pegar um aspecto da realidade que nem nos tocamos e fazer dele uma bandeira. Ainda que pinte um quadro exagerado, o radical acaba com isso chamando a atenção das pessoas para tal fato.




O gênio tem outros meios de passar sua mensagem, sem ser através do escancaramento. Muitas vezes ele consegue inserir sua visão sobre o mundo em suas obras de forma sutil. A lição pode ser assimilada de forma subliminar ou explícita, como fazem os radicais. Por serem extremistas, suas propostas e ideais costumam ser tidos como ridículos e rígidos. Sim, existem radicais sectários, é o que mais existe no mundo.

O sectarismo é como uma venda, atrapalhando a vista do sujeito. Ás vezes o óbvio é perdido por conta dele. Por outro lado, o relativismo, que vem se tornando uma ideologia hegemônica desde que o pós-modernismo se arrogou o título de filosofia de vida por excelência desses novos tempos, não fica muito atrás. Como falamos na primeira parte desse texto, o relativismo nos impede de nos posicionar. Vamos nos anulando aos pouco até o momento em que tudo é permitido, tudo é artístico, tudo é válido. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman alertou certa vez: o relativismo deve nos servir para nos entendermos, para convivermos, não para nos cegar e nos abster de opiniões.

Hoje precisamos de radicais não tão sectários, mas que ainda assim sejam radicais. Os enxergo como peça fundamental para acordar as pessoas do seu marasmo. Eles conseguem isso através do impacto de suas ideias e palavras. Mas não só deles, também precisamos de gênios. Afinal, nem sempre o explícito é bem assimilado. Entendo como gênio aquele que capta e expressa um sentimento ou uma inquietação de forma a unir talento e reflexão. 

Talvez nos pareça que verdadeiros gênios são uma espécie em extinção hoje. Quero crer que isso seja uma falsa impressão. A maioria tem como referencial de genialidade, grandes nomes do passado. Espera-se que os gênios carreguem em si algo do estilo de alguns desses nomes, como um crachá de identificação. Acontece que hoje, após o conceito de arte e de ciência terem sido relativizados, eles estão muito mais livres para ousar, para brincar com esse cracházinho. Aliás, qualquer um está, o que gera a confusão. Fulano pode ser um gênio, sicrano também, depende de que tipo de conhecimento e arte estamos falando, na mesma proporção em que pode ser um charlatão. Como saber? Só acompanhando mesmo para ter certeza. Essa dificuldade em se descobrir um gênio logo de cara faz com que desacreditemos que nossa época tenha lá suas mentes brilhantes.

De qualquer maneira, creio que, ao contrário da geração passada, temos a faca e o queijo na mão. Se antes o problema era acesso a informação e capacidade de articulação de indivíduos e movimentos, hoje em parte graças a tecnologia não temos mais esses problemas. As dificuldades que se impõem agora são de nova ordem: atomização dos movimentos sociais, individualismo gritante, alienação digital, etc.

Nós, quase sempre nos esquecemos disso. Talvez porque vivamos muito no presente. Nada de mal em se aproveitar o momento, no entanto há que se lembrar do passado e se pensar no futuro para vivenciarmos a vida em sua plenitude. Por nos prendermos no "agora" e termos uma vaga ideia do "ontem" (ditadura militar, guerra fria, etc.) escorregamos e caímos no conformismo. Acreditamos que esse pode não ser o melhor dos mundos, mas ainda assim é melhor que "antes". O desejo de se alcançar o melhor dos mundo foi abandonado. O "meia-boca" nos parece perfeito. Não se está discutindo aqui se é possível alcançar o melhor dos mundos, mas porque não apostar nesse desejo como forma de alcançar alguma forma de melhoria em nossa vida.

Nossas antenas, os radicais e os gênios, os sensitivos da contemporaneidade, ora nos mostram os limites desse presentismo, ora nos apresentam possíveis formas de mudança. Eu não me encaixo em nenhuma dessas categorias, apenas falo aqui o que ouvi de alguns deles. Apenas apresento como propostas de mudança aqui algumas coisas: a articulação dos movimentos sociais em nome de uma bandeira mais global de luta, a participação política por outros meios além do sistema eleitoral e a discussão como meio de enriquecer essas duas diretrizes. Uma discussão que não seja apenas entre radicais e gênios, mas que seja generosa, que abarque todos os interessados. Sim, os intelectuais e militantes tem sua parcela de responsabilidade com a luta por mudanças, mas eles não são messias. Antes de tudo são humanos. Possuem grandes habilidades, mas a maior de todas elas deve ser sempre o humanismo. Devemos lutar pelo que nos une e não pelo que nos separa e a condição humana é, de todos os aspectos, o mais generalizador de todos.  Todos sangramos, todos choramos, todos rimos. E todos ficamos indignados. A indignação, mas não só ela, deveria ser o núcleo de nosso pensamento. Não a indignação pela indignação, mas o descontentamento que gera ações, que procura soluções, que procura se anular, gerando contentamento e felicidade ao alcançar os anseios que temos. Enfim, sonhar não é proibido.





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