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O CASO DO SOBRENOME




"A lei aqui é o calibre 44, parágrafo 32".
Edgar Roquette Pinto, 1912.


Daqui alguns anos não haverão mais índios. Não no Brasil. Quisera eu estar sendo pessimista. Digo isso diante do terrível quadro que se desenrola há séculos diante de nós. Falo aqui especificamente do indígena que vive no campo, ou melhor, que teima em viver no campo.

Hoje, por mais que a população indígena se encontre reduzida a questão indígena continua forte. O índio está na Agenda Setting, ou seja, é um dos temas da moda. Por uma série de motivos: o término da Aldeia Maracanã no Rio de Janeiro, a resistência dos povos que vivem próximo a construção da Usina de Belo Monte em saírem de lá e por último o dramático caso dos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Essa etnia ganhou notoriedade após uma carta ter sido veiculada nos meios de imprensa protestando contra a decisão do Judiciário de que os 170 indígenas que vivem em Iguatemi deveriam ser retirados dali. Tudo por conta de um erro de interpretação. Ademir Lopes, o autor, dizia que se queriam mesmo exterminar seu povo então que cavassem uma vala coletiva para jogarem todos lá de uma vez. Os leitores desavisados entenderam como uma escolha pelo suicídio em massa. E o resto vocês já sabem.
Esse é um dos poucos casos em que o sensacionalismo ajudou alguma coisa, já que até então Guarani Kaiowá era uma etnia conhecida apenas entre os antropólogos e moradores da região do Mato Grosso do Sul. Seu drama se tornou público e, como forma de protesto contra essa decisão do nosso Judiciário, muitas pessoas Nas Redes Sociais adotaram o nome da etnia.

Claro que existem sempre aqueles que adotam porque é moda, mas não podemos esquecer que existem pessoas realmente interessadas em apoiar causas como essas.Um sobrenome pode mudar o que? A adoção do sobrenome não é um fim em si mesmo, ele é apenas uma parte das ações que devem ser feitas para se quebrar o preconceito e para por fim ao conflito em Iguatemi.

Pode parecer muito chique se assumir indígena em uma rede social em que sua presença é pequena. Aliás, muitos se perguntam porque devemos aos indígenas tantas terras. O que eles querem com elas? O modo de vida deles passa pela sua relação com a terra, bem como toda a natureza. Claro que cada etnia tem sua singularidade, mas uma vocação para a sustentabilidade (que é divulgada como a descoberta do milênio hoje) está presente em quase todos os povos.

O ideal seria que todo brasileiro tivesse o direito a seu pedaço de terra, mas reforma agrária continua sendo um tabu para nós. As reservas indígenas, aliás, só conseguiram ser implantadas no país por conta da ação de alguns homens, dentre eles o Marechal Candido Rondon e os irmãos Villas-Boas, que apelaram a uma visão do indígena enquanto bom selvagem, enquanto o brasileiro legítimo. Ainda que essa seja uma representação um tanto reducionista e romantizada, graças a ela as reservas conseguiram sair do papel.
Desenho feito por um jovem Waimiri Atroari sobre conflito.
O que é a reserva senão um meio de tirar os índios do caminho do progresso? Se antes a desculpa para massacres vinha da necessidade de civilizá-los, cristianizá-los, hoje a modernidade assume o papel de pretexto para atos como os realizados na construção da rodovia Manaus-Boa Vista. Entre 1968 e 1983, a duração das obras da BR-174, o povo Waimiri Atroari perde nove aldeias e mais de 1000 habitantes. Para essa dizimação silenciosa competiram o governo militar, empresas (como a Mineração Taboca) e jagunços. Os poderosos e os explorados, unindo-se na matança.

O que saiu na imprensa mesmo na época foi o assassinato do Padre João Calleri que tentou convencê-los a mudar para um lugar que seria fornecido pelo governo - o que não era verdade. Os demais dados foram divulgados recentemente pelo Comitê da Verdade do Amazonas com a colaboração homérica do missionário Egydio Schwade, que trabalhou com esta etnia nos anos 80.

Índios sendo mortos por uma ferrovia? Parece coisa de filme? O fazendeiro Luis Carlos da Silva Vieira Lenço Preto, com seu adereço fúnebre amarrado no pescoço, bem que podia ter saído de um spaguetti western e no entanto é tão real que já concedeu entrevista afirmando que seus jagunços continuarão tratando os "invasores" na bala. A epígrafe, retirada de uma conversa de Roquette Pinto com um fazendeiro, indica que das primeiras décadas do século XX á primeira década no Novo Milênio estes dois elementos foram os maiores inimigos dos indígenas na sua luta por sua cultura e sua terra.

O índio parece distante de nós, que escrevemos e lemos blogs. De nós que curtimos e comentamos coisas nas redes sociais. De nós que achamos que somos um novo tipo de revolucionários só porque temos acesso á internet. Parece distante porque temos uma imagem cristalizada em nossa cabeça do indígena vivendo nu e sem pecado no meio do mato. Porque acreditamos que a situação no campo está muito longe das cidades. Mas, novidade, não está! O latifúndio continua criando massacres, sejam indígenas ou não, e êxodo rural. As cidades incham, os serviços não atendem mais todos direito e temos a velha história de que cidadania é pra poucos.

Existem índios urbanos, ao contrário do que muitos pensam. Ser índio não é algo monolítico - se ele não mora no campo, não é índio -, assim como não existe apenas uma maneira de ser afrodescendente, caucasiano, judeu, etc. As identidades são dinâmicas e fluídas. O grande problema tem sido como conciliar modernidade e identidade, uma vez que a indústria cultural pode atrapalhar um pouco a consciência que temos de nós mesmos.

O perigo é perdermos uma série de práticas e saberes que só tem a contribuir com o nosso desenvolvimento, o verdadeiro desenvolvimento e não o apregoado pelos fazendeiros de agronegócios e estadistas - o desenvolvimento humano. O conhecimento sobre as propriedades da fauna e flora, por exemplo, podem revolucionar a Medicina. Já nos anos 70 o médico acreano Djalma Batista nos alertava para isso. E o que dizer da sustentabilidade? Desenvolver sem destruir, o sonho de um mundo melhor. A Terra Preta de Índio, um achado arqueológico recente, demonstrou que sociedades indígenas extensas como a população de um centro urbano médio acharam um meio de crescer sem depredar o ambiente, por meio do manejo ambiental.

Temos que parar de achar que os indígenas estão distante de nós, não só no espaço, mas no tempo. Aí estão os Guarani Kaiowá provando que a resistência atravessa os tempos. E aí estão as propostas que esses povos carregam que podem ajudar a construir um futuro diferente do cenário pessimista que parece nos esperar. O historiador Victor Leonardi há décadas vem alertando em seus livros que todas as questões estão interligadas: reforma agrária, questão indígena, corrupção, violência, educação falida, tudo isso está conectado numa teia de inter-independência. Uma questão não anula a outra, pelo contrário, ajuda a resolver a colega ao lado. Então o que está realmente distante de nós: os indígenas ou as soluções?




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