Quando acordei ainda estava escuro. Claro, não posso perder o título de madrugador. Levantei, porque não queria ficar molhadinho. Não desse jeito. Na pressa quase esqueço do soro e daquela maldita haste de ferro que segura ele.

Bem, depois de esvaziar o tanque já ia sair do banheiro (isso mesmo, sem lavar as mãos) quando olhei de relance para o espelho. Quem é aquele barbudão? De repente me dei conta de que eu era o Robinson Cruzoé de pijama.

Aí vieram as perguntas: Há quanto tempo estou aqui? O que aconteceu lá fora? Liguei a TV. Dois comerciais e um pastor berrando: nada mudou. Mas coloquei no jornal. O cara foi absolvido do julgamento, os hermanos do norte estão de luto, os hermanos do sul estão festejando. Pra variar, ameaça de guerra nuclear. O mundo não virou de pernas para o ar, mas tá quase.

Então passei a me preocupar com questões mais importantes: o que devem estar falando no Facebook? Se uma pessoa some da internet por três dias já é considerada oficialmente morta e enterrada. Como meus pais ainda não receberam nenhuma coroa de flores então alguém deve saber que estou internado.

Ou não... Afinal, não lembro de ninguém me visitar. Não vejo nenhum presente na poltrona, nenhum cartão de melhoras. Se bem que quem hoje em dia dá um cartão de melhoras pra alguém? Coisa de filme americano.

Enfim, lá estava eu com meus pensamentos. Agora a questão era o que fazer assim que melhorar. Primeiro passo: se barbear. Por mais que o visual de Antônio Conselheiro pareça interessante já está incomodando. Segundo passo: ganhar peso. Ou isso ou terei de amarrar minhas calças com corda de sisal.

Terceiro passo: beber. Não, não posso beber, nem foder. Merda... Vamos no focar em dois passos por enquanto. De qualquer maneira, a abstinência não será pra sempre. Ou será? Não, vamos pensar positivo.

Cara, só sei de uma coisa: assim que melhorar, que estiver 100%, preciso fazer algo pra me sentir realmente vivo. É bom ir planejando desde já. Fazer a minha “lista da bota”, sabe? Não tem aquele filme em que o Morgan Freeman e o Jack Nicholson fazem uma lista de coisas pra fazer antes de bater as botas? Pois então.

A primeira coisa seria sair com uma mulher linda e inteligente, ter uma noite daquelas e depois contar pros amigos. Melhor, deixemos a parte de contar pros amigos pra outro tópico da lista: a cervejada. Não mais uma cervejada, mas  A cervejada. Preciso fazer alguma loucura, como andar pelado na rua. Não, andar pelado, não. Provavelmente eu tropeçaria no meu pinguelo. Até lá penso numa loucura.

Não posso deixar a família de lado, afinal eles que me acompanharam durante todo esse tempo. Tenho que fazer algo por eles, algo especial. Já sei! Um jantar naquele restaurante. Vai ser uma facada, mas eles merecem. Merecem muito mais, aliás. Vou dar um presente pra cada um.

Vejamos, mais o quê... Vou terminar algum dos meus projetos intermináveis. Finalmente completar aquele álbum de fotos, encerrar o artigo, organizar os papéis do quarto, baixar todas aquelas músicas.

Não posso deixar esse momento passar em branco, por mais que tenha sido incomodo é uma experiência que rendeu muita aprendizagem. Só o espanto de descobrir que o tempo não esperou você acordar pra passar já dá o que falar. Mais um item: relatar essa porra toda algum dia. Vou parar a lista por aqui. Ideias não faltam, mas acho que trocaram o antibiótico por calmante porque bateu uma puta preguiça agora. Mas antes, mais uma mijadinha...