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Mulheres a votar no Sínodo dos Bispos

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Neste contexto, é necessário considerar como histórica, quase uma revolução, a recente decisão do Papa Francisco anunciando que 80 entre os participantes com direito a voz e voto no próximo Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade, em Outubro, não serão bispos e "que 50% deles serão mulheres".


Será que, de modo geral, as mães não são mais sacrificadas pelos e para os filhos do que os pais? Evidentemente, é um amor diferente, mas a pergunta tem sentido: alguém se sacrificou e nos amou e ama mais do que a mãe?
Por isso, dá que pensar o modo como as Mulheres foram e são tratadas ao longo da História. E impressiona que também as religiões tenham de ser acusadas, pois, com excepção do taoísmo, tendem para a misoginia. Ficam aí alguns textos universais significativos. "A mulher deve adorar o homem como um deus" (Zaratustra). Um texto antigo budista diz que "a filha deve obedecer ao pai; a esposa, ao marido; por morte deste, a mãe deve obedecer ao filho". "A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem falhado" (Aristóteles). "Toda a malícia é leve, comparada com a malícia da mulher" (Bíblia, Ben Sira). "Dou-te graças, Senhor, por não ter nascido mulher" (oração dos judeus ortodoxos). "As mulheres estão essencialmente feitas para satisfazer a luxúria dos homens. Não permito à mulher ensinar nem ter autoridade frente ao homem, mas estar em silêncio" (São João Crisóstomo). "A ordem justa só se dá quando o homem manda e a mulher obedece" (Santo Agostinho). "Nada mais impuro do que uma mulher com a menstruação. Tudo o que toca fica impuro" (São Jerónimo). "No que se refere à natureza do indivíduo, a mulher é defeituosa e mal nascida, porque o poder activo da semente masculina tende a produzir um ser perfeito parecido, do sexo masculino, enquanto que a produção de uma mulher provém de uma falta do poder activo " (Santo Tomás de Aquino). "Os homens têm autoridade sobre as mulheres em virtude da preferência que Deus deu a uns sobre outros" (Alcorão, que permite desposar duas, três ou quatro mulheres e também bater nas que se rebelem).
A pergunta é: que razões se apresentam para esta situação? As primeiras figurações da divindade foram femininas, mas, depois, com a sedentarização, seguiu-se, também no domínio religioso, o modelo predominantemente patriarcal, com as mulheres no lar e sob a tutela dos homens. Alguma inveja em relação às mulheres: afinal, da vida quem percebe são elas. Os homens têm mais força física, mas elas são mais resistentes. As mulheres estavam sujeitas à impureza ritual e eram consideradas passivas também na geração, pois o óvulo feminino só foi descoberto em 1827; dada esta passividade, a mulher não poderia ser imagem de Deus e, embora Deus esteja para lá da determinação sexual, nunca se poderia recitar o Credo, dizendo: "Creio em Deus, Mãe todo-poderosa, criadora dos céus e da terra." Ela não poderia pregar. Foi um escândalo quando o Papa João Paulo I disse que Deus também é Mãe. E há outra razão: quem escreveu os textos eram homens, a educação era para os rapazes...
E Jesus? Escandalosamente, pois era contra o espírito e a atitude daquele tempo, tinha discípulos e discípulas. Segundo o Evangelho de São Lucas, "acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres", ensinava tanto homens como mulheres, ficando em casa, por exemplo, de Marta e Maria. Acabou com o tabu da impureza feminina, deixou-se tocar e acarinhar publicamente por uma prostituta, louvando o seu gesto de o perfumar e perdoou-lhe os pecados. Seguiram-no até à morte, como se lê no Evangelho segundo São Mateus: "Junto à cruz havia muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, entre elas Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e José, e a mãe dos filhos de Zebedeu." As primeiras testemunhas da fé na ressurreição - na morte, Jesus não caiu no nada, pois entrou na plenitude da vida em Deus, está vivo em Deus para sempre como esperança e desafio para todos -, foram mulheres, a começar por Maria Madalena, chamada até por Santo Agostinho a "Apóstola dos Apóstolos". E como poderiam ser de São Paulo, que está na base da tomada de consciência da igual dignidade de todos, ao proclamar, na Carta ao Gálatas: "Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus", certas afirmações de menosprezo e subordinação das mulheres, que lhe são indevidamente atribuídas? Não é ele que, na Carta aos Romanos chama "apóstola" a Júnia? "Saudai Andrónico e Júnia, meus concidadãos e meus companheiros de prisão, que tão notáveis são entre os apóstolos e que, inclusivamente, se tornaram cristãos antes de mim."
Foi com a lenta transformação da Igreja numa gigantesca instituição de poder e com a sacerdotalização dos ministérios - a ordenação sacerdotal, distinguindo duas classes na Igreja: o clero e o povo -, que os leigos em geral e sobretudo as leigas foram, contra a vontade de Jesus, que tinha declarado explicitamente: "sois todos irmãos", sendo subordinados e desiguais, como se pode ler na encíclica Vehementer Nos do Papa Pio X (foi canonizado): "A Igreja é, por natureza, uma sociedade desigual. É uma sociedade composta por uma dupla ordem de pessoas: os pastores e o rebanho... a multidão não tem outro dever senão o de aceitar ser governada e cumprir com submissão as ordens dos seus pastores."
Neste contexto, é necessário considerar como histórica, quase uma revolução, a recente decisão do Papa Francisco anunciando que 80 entre os participantes com direito a voz e voto no próximo Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade, em Outubro, não serão bispos e "que 50% deles serão mulheres".

Anselmo Borges no Diário de Notícias

Padre e professor de Filosofia. 
Escreve de acordo com a antiga ortografia


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