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Museus e estereótipos

Formação “Museums and Stereotypes”. Créditos: Elisabetta Brian

Participei, entre 25 e 28 de Outubro, na formação Museums and Stereotypes (International Training School), em Turim, Itália.[1]

Foram quatro dias de formação em vários Museus de Turim. O tema: museus e estereótipos. O curso pretendeu explorar estratégias e práticas que contribuam para a desconstrução de estereótipos no sentido de tornar os profissionais dos museus mais conscientes das suas responsabilidades. 

Podemos conscientemente afirmar que enquanto profissionais e indivíduos somos livres de estereótipos e preconceitos? E os museus, o que têm a ver com isso? Museums are, of course, one of many settings in which stereotypical representations of social groups may be encountered, reinforced and reproduced but also, potentially, resisted and challenged(Museums, Prejudice and the Reframing of Difference, p. 38). Esta frase de Richard Sandell é relevante, não apenas por chamar a atenção de que os museus não são lugares isentos de estereótipos, quer falemos no passado, quer falemos no presente, mas por também atribuir aos museus a capacidade e a possibilidade de desconstrução desses estereótipos. É esta dupla perspectiva que importa reconhecer e trabalhar sobre. 

Iniciativa “Gender Matters”, Gothenburg City Museum, 2011

Falar sobre estereótipos no contexto dos museus é falar do quê exactamente? Entre os estereótipos debatidos, nomeadamente nesta formação, estão aqueles associados à imigração, ao género e onde se incluem as identidades LGBTQ, à deficiência, às questões étnicas, à religião, entre vários outros.

A mudança é gerada pela desconstrução e pelo questionamento, diria interno, a partir de dentro, por cada um de nós, dos estereótipos que conseguimos reconhecer e de outros que estão presentes mas tão pouco os identificamos claramente. Foi esse o desafio que me levou a Turim, assim como a vários colegas de diferentes proveniências (Grécia, Itália, Irão, Holanda, Canadá, etc.) para quatro dias (25-28 Outubro) de intenso debate e reflexão com o objectivo de sair da zona de conforto, e descobrir os nossos pontos cegos em relação aos museus e às nossas práticas. Pela mesma razão, e em jeito de ressalva, participei pouco tempo antes na conferência anual da Acesso Cultura – E Este Património? A Presença LGBTQI+ no Ano Europeu do Património Cultural – um encontro que foi clarividente no sentido de perceber o quanto desconhecemos estes temas e a premência dos profissionais de museus se envolverem mais. Como se lê no texto de introdução da conferência: «Quando não vemos alguém, essa pessoa não existe para nós, com todas as consequências que esta ignorância traz para a inclusão social e para a decorrente valorização da nossa sociedade».

A formação sobre museus e estereótipos foi organizada por Maria Chiara Ciaccheri e Anna Chiara Cimoli da associação ABCittà(sede em Milão), juntamente com João Rosa da 4iS– Plataforma para a Inovação Social, uma organização ligada à Universidade de Aveiro; decorreu em três museus e espaços distintos da cidade de Turim: o Museo Egizio, que reúne uma das mais importantes colecções de arqueologia do Egipto na Europa, o Museo Lombroso, um museu universitário dedicado à figura de Cesare Lombroso, fundador da antropologia criminal em Itália, e o Polo del 900, um centro cultural (e arquivo) com dois anos de existência que explora temáticas ligadas à cidadania, democracia, direitos humanos, entre outros tópicos da actualidade.

O programa consistiu na apresentação e discussão de experiências ligadas aos museus onde decorria a formação. Esse foi o caso do Museo Egizio, um museu que tem desenvolvido vários programas com e para grupos ligados à imigração, tendo havido oportunidade de contextualizar os desafios desta acção, não se escondendo as adversidades advindas do actual hostil clima político vivido na região e que tem levado inclusive à contestação pública das actividades do museu por parte de grupos políticos mais extremados que se posicionam contra a imigração. Imigração foi, aliás um tópico bastante desenvolvido em várias comunicações no âmbito da desconstrução e combate de estereótipos e preconceitos. A comunicação de Daniel de Torres (consultor no programa das Cidades Interculturais do Conselho da Europa) – “How to Dismantle Stereotypes and Prejudices: Some Lessons Learned from the Antirumour Strategy that can be Useful for Museums” – é um desses exemplos, entre outros.

Entre os tópicos explorados, destaco ainda o do género e das identidades LGBTQ. Neste contexto, Nicole Moolhousen (investigadora e consultora na área do património) apresentou várias experiências desenvolvidas no Reino Unido: “Who Am I?” (Science Museum); iniciativas promovidas pelo Victoria & Albert Museum e pelo British Museum, entre outros exemplos da Holanda, Suécia, Alemanha, Brasil, Índia, África do Sul, incluindo Itália.

Outro projecto apresentado foi o da “Biblioteca Vivente”. Promovido pela associação ABCittà, centra-se na narração de histórias com o objectivo de promover o diálogo e combater os preconceitos.

Para além das comunicações mais convencionais, o programa incluiu workshops para discussão informal em grupo a partir de exercícios orientados, como por exemplo: Museums and Stereotypes: An International Conceptual FrameworkWhich Risks for Political Correctness?; A Learning Kit Against Stereotypes; entre outros.

Facilitadoras do workshop: Maria Chiara Ciaccheri e Anna Chiara Cimoli. Créditos: Elisabetta Brian

O programa combinou ainda visitas organizadas a vários museus, onde destaco em particular a visita ao Museo Diffuso della Resistenzapelo seu director, Guido Vaglio.

Foram dias inspiradores, mas seria pretensioso afirmar que esta formação respondeu a todas as perguntas que levava. Pelo contrário, levou a mais interrogações e inquietações. Um colega de formação, no contexto de uma discussão sobre como a comunicação em museus é muitas vezes exclusiva e sobre a forma de ultrapassar as barreiras interrogava – mas até onde vamos parar? Pensei para mim própria: até onde for preciso. Enquanto vários “outros” se sentirem excluídos, este é um compromisso do qual não devemos abdicar não só como exercício de reflexão, mas sobretudo para repensar as nossas acções. 

Os museus são em si um meio que comunica de múltiplas formas. Combater  os estereótipos é, por isso, uma questão transversal: desde a forma como se recebe os visitantes na recepção, à forma como se pensa o acesso (das barreiras físicas, às sociais e intelectuais), ao modo como se constrói ou se revisita uma narrativa (quem está representado e como, o que é dito e o que se omite), à linguagem usada. Diz respeito à missão dos museus, deve ser uma preocupação das lideranças e das equipas, tem a ver com estratégia.

O programa, formadores e demais informações sobre o curso estão disponíveis em: https://museumsandstereotypes.org. Deixo algumas referências partilhadas pela organização do curso:

BIBLIOGRAFIA

Joan H. Baldwin and Anne W. Ackerson, Women in the Museums: Lesson from the Workplace, Routledge 2017.

Banaji, M. R., & Greenwald, A. A. (2013). Blindspot: Hidden Biases of Good People. New York, NY: Bantam Books.

Anna Chiara Cimoli, From Representation to Participation: The Voice of the Immigrants in Italian Migration Museums, in “The Journal of the Inclusive Museum”, Vol. 6, n. 3, maggio 2014, pp. 111-121.

Anna Chiara Cimoli, Identity, Complexity, Immigration. Staging the Present in Italian Migration Museums, in Museums, Migration and Identity in Europe. Peoples, Places and Identities, Christopher Whitehead, Rhiannon Mason e Susannah Eckersley (eds.), Farnham, Ashgate 2015, pp.  285-315.

Hill Collins P., Bilge S., Intersectionality, Polity Publisher, 2016.

Frantz Fanon, Black Skin White Masks, London: Pluto Press, 1967.

Guerrilla Girls, The Hysterical Herstory of Hysteria and How It Was Cured: From Ancient Times Until Now, Michèle Didier Editions, 2016.

Sally Hines, Is Gender Fluid?: A Primer for the 21st Century, Thames & Hudson, 2018.

John Berger, Ways of Seeing, Penguin Book, 1972.

Amy K. Levin, Gender, Sexuality and Museums, Routledge Reader, 2010.

Amy Lonetree, Decolonizing Museums: Representing Native America in National and Tribal Museums, University of North Carolina Press, 2012.

Amin Maalouf, In the Name of Identity: Violence and the Need to Belong, 1998.

Kylie Message, Museums and Racism, Routledge 2018.

Richard Sandell, Museums, Moralities and Human rights, Routledge 2016.

Richard Sandell and Eithne Nightingale (eds.), Museums, Equality and Social Justice, Routledge, 2012.

Richard Sandell (ed.), Re-presenting Disability, Routledge, 2010.

Richard Sandell (ed.), Museums, Prejudice and the Reframing of Difference, Routledge, 2007.

Richard Sandell (ed.), Museums, Society, Inequality, Routledge, 2002.

LINKS


ABCittà’s Living Library

ABCittà’s anti-stereotype kit (em italiano)

“Abitare il museo” (Livro da ABCittà sobre o projecto Mudec Pop, em italiano)

“Che cosa vedi?”, a peer education kit (em italiano)

“Words matter” (Tropenmuseum, Amsterdam)

“Cards against creativity” (“Cards against humanity” in museum version)

Harvard’s Implicit Association Test (IAT)

Antirumours strategy 2018 handbook (De Torres Barderi D., Antirumours Handbook, 2018)

Look different


OUTROS RECURSOS ONLINE

Museums and migration

Maria Vlachou and Ana Carvalho, The inclusion of migrants and refugees: the role of cultural organizations

Resources designed by the Tanenbaum Centre for Interreligious Dialogue

LGBTQ Alliance: Welcome guide

American Association of Museums DEAI: Facing Change. Full Report 2018

Museum Association, UK: Culture Change, Dynamism and Diversity

Rainbow Network: Practical Tools for Intersectional Workshops

Museums, Libraries and Archives, UK: Disability checklist

Cleveland Art Museum: For the Benefit of All. Diversity, Equity and Inclusion Plan


[1] Para participar nesta formação tive o apoio de uma bolsa da Acesso Cultura.



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