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Escotismo – por que não devemos adotar o sistema de competências? Parte I.

Este blog completou 10 anos em novembro de 2019. Os grandes intervalos entre as últimas publicações foram dedicados à formação acadêmica e profissional… e algum que outro assunto que toma conta desta vida mundana que todos nós temos.

Quanto aos estudos, o autor deste espaço publicou um artigo fora do círculo escoteiro, e nele foi problematizado o programa e ONG “Escola sem Partido”. Para ilustrar este trabalho, também foi abordado o Sistema de competências na educação brasileira, que teve seu embrião fecundado nos anos 90, mas acabou sendo formatado com a Reforma do Ensino Médio no governo Temer (PMDB).

Esta reforma acentuou o pacote de destruição do ensino público, e o escotismo no Brasil não apenas ignorou o que ela supõe para a juventude, mas se baseou em seus pontos centrais para estabelecer a nova metodologia de formação para adultos.

Por outro lado, se existe algo em que o escotismo pôde se orgulhar nestes longos anos foi a criação de um movimento capaz de contemplar a diversidade, principalmente as de pensamentos e ideologias. Tudo aquilo que não negue a condição humana e que seja pautado na tolerância, na partilha de conhecimentos, sempre foi bem-vindo no movimento. O próprio Baden-Powell, com todas as ressalvas de seu tempo, foi um compilador de diversas escolas que se preocupavam com a educação e a autonomia da juventude, e condenava aqueles ou aquilo que estavam neste mundo simplesmente para fazer número e agir como os demais. Comemorava, assim, o mote “construir um mundo melhor”, em uma proposta ativa e internacionalista desta construção.

É por isso que quando aparece um novo sistema de formação e organização de jovens ou adultos, por vezes interferindo tácita ou expressamente no que entendemos por “método”, todos nós deveríamos prestar atenção e analisar se ele está formatado de acordo com as premissas de emancipação, sem cair na avalanche das propagandas institucionais que costumam acompanhar estes programas. Sabendo disso, quando surge algo, no seio mesmo do escotismo, que tenta convencionar arbitrariamente e de forma institucional como o sujeito deve pensar e o que deve fazer em direção ao pensamento único, o fato deveria preocupar todos aqueles que veem no movimento uma forte ferramenta de transformação da sociedade.

Em um artigo anterior, há uma introdução ao “novo” sistema de competências recém-escolhido para pautar a formação de adultos, e recomendo a leitura deste primeiro conteúdo. O texto poderia ter sido suficiente para levantar alguma discussão, ou ao menos para colocar em dúvida se deveríamos mesmo optar por uma escola controversa e condenada por muitos educadores. E o fato de colocar em dúvida este sistema não significa necessariamente uma visão negacionista e jarreteira quanto às modernizações porque os “bons tempos” eram infalíveis, mas pelo profundo caráter limitador, controlador e de fabricação de peões que o novo sistema impõe.

A questão ainda merece algumas linhas. E este é um complemento daquele primeiro texto.

1 – Histórico

Como foi comentado naquele artigo introdutório, as transformações vividas pela sociedade geraram debates, reformas e contrarreformas nas relações de trabalho e no papel que o indivíduo tem, sozinho ou em conjunto, na transformação de sua realidade. Estas transformações sempre apareceram em momentos de crises cíclicas do sistema político e financeiro, principalmente na cadeia produtiva capitalista, e acabaram tendo como alvo justamente a educação, na preparação de um sujeito social que pudesse absorver as demandas mercantis imediatas. E é aqui que ganham força as correntes ideológicas nos sistemas de produção e organização, onde brilham as competências.

O termo “competência”, da competitividade, aparece para atualizar estas relações de trabalho, passando pelo declínio da forma de produção taylorista e fordista, e se deslocando para a toyotista, que é um dos tios das atuais formas organizacionais e de produção em que nos vemos envolvidos.

O toyotismo foi impulsionado pelo surgimento do neoliberalismo e caracterizado pela valorização dos saberes subjetivos dos trabalhadores e afrouxamento das regras de acesso e permanência no emprego. Sua implementação acabou por se mostrar, ainda, uma ideologia que pregava a diminuição dos direitos sociais, assim como se mostrava uma força coercitiva que impunha aos trabalhadores realinhamentos de seus costumes e de suas características por intermédio das condutas morais. Por fim, esta corrente passou a usar termos como “flexibilização” (da legislação) para camuflar sua visão de que direitos são obstáculos para o aumento de lucros, na medida em que debilitava ainda mais, pelas condutas impostas, o profundo caráter antagônico do trabalho – ou seja, a relação conflitante daquele que vende sua força de trabalho com aquele que a compra.

Este histórico também é abordado, de forma resumida, pela autora de um dos livros usados pela direção nacional da UEB – “Escoteiros do Brasil” no desenvolvimento do material sobre competências, ainda que ela não cite os acontecimentos históricos, políticos e financeiros:

A gestão de pessoas por competências é um modelo que foi adotado primeiramente nos anos 1970, nos Estados Unidos, e durante as duas décadas seguintes foi introduzido nas empresas europeias. No Brasil, chegou no mercado a partir de 1990, com as primeiras publicações e a implantação de projetos importados ou impulsionado pelas multinacionais, sob a orientação de suas matrizes em outros países. (GRAMIGNA, 2017, p, 1)

O ano de 1970, relatado pela autora, marca uma profunda crise mundial do capitalismo e a decadência do sistema de produção taylorista/fordista. Marca, também, uma renovação desta organização do trabalho para dar resposta à crise, onde emerge o sistema toyotista. No Brasil, tal qual relata a autora, o sistema é adotado nos anos 90, impulsionado nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso, ambos adeptos e praticantes das políticas liberais.

É nesta fase em que nos encontramos: pressupostos do toyotismo dão a linha da educação à legislação laboral (reforma do ensino e trabalhista, respectivamente). Ainda que estejamos no âmbito da educação não-formal, este sistema também é encaixado em formas organizacionais, e a metodologia escolhida pelo movimento escoteiro do Brasil para a formação de adultos, para a maneira de se organizar e para a forma de produção humana é aquela baseada nestas bases que advêm do toyotismo: as competências.

É de comum acordo, até mesmo para os que defendem as competências, que o sistema se centra em um melhor aproveitamento do produto humano; em como se pode maximizar a produção do indivíduo para que uma empresa ou organização possam incrementar resultados e receitas. Este aproveitamento, como se verá a seguir, não necessariamente significa uma formação ou qualificação plena. Esta mesma política, que vemos aplicada nos escoteiros, também foi estendida da educação básica à superior a partir dos anos 90 por iniciativa da Unesco (o que englobou, ainda, a atualização do programa para jovens no escotismo em 1993). Foi uma demanda de conglomerados industriais e empresariais, e não propriamente uma demanda de educadores ou de todos os atores que se dedicam à educação formal e não-formal.

Além do documento de 2010 da Confederação Nacional da Indústria publicado no artigo anterior que ilustra estas demandas, também temos casos recentes como o projeto INOVA do governo João Dória (PSDB), em São Paulo, que alterou as diretrizes para o ensino médio. O programa foi criado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC) em parceria com duas instituições ligadas a conglomerados financeiros: Instituto Inspirare e Instituto Ayrton Senna, apoiados pela Fundação Lemann, Fundação Bradesco e congêneres.

Como se vê, as reformas educacionais foram pensadas para dar respostas à manutenção deste poder financeiro e de capital político, ou para “inovar” as formas de produção de setores da indústria (como relatado acima), e não necessariamente para o desenvolvimento humano, da sociedade ou da própria educação. Ainda que com algum ganho de tempos em tempos, principalmente graças à organização estudantil e do Magistério, a nossa educação estruturalmente precária se deve simplesmente à ganância de poucos. Como dizia Darcy Ribeiro, a crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.

As entrelinhas destas reformas, mas principalmente o caráter responsivo diante de crises cíclicas do capitalismo em que a juventude e a população são forçadas a se dobrarem, são muito bem explicadas no livro “Movimentos Sociais e Educação”, de Maria da Glória Ghon (1992), que todo escotista deveria ter como bibliografia suplementar àquelas de nicho escoteiro:

Reformas e propostas educacionais, particularmente na área escolar, não são novidades históricas no Brasil do século XX. Porém, se observarmos atentamente o ciclo destes acontecimentos, eles são datados e correspondem a períodos de crise na economia, de redefinição do modelo de acumulação vigente e de constituição de novos atores sociais como sujeitos da cena política nacional (GOHN, 1992, p. 7).

Ela também explica, como se verá mais adiante, como estas modificações na cadeia de produção e nas relações laborais, tendo como laboratório justamente a educação, acaba fomentando a domesticação social. Isto é observável, por exemplo, por meio das imposições e valorizações de “condutas desejáveis” ou “diretrizes socioemocionais” (ambas presentes no sistema de competências) para que este novo sujeito social não apenas se acostume a sua situação de precariedade (subemprego, exploração, baixos salários), mas ignore a existência dos seus próprios problemas e incorpore a política institucional ou organizacional para manter a produtividade – mesmo, ainda, numa sociedade imprevisível, que reiteradamente extingue proteção aos trabalhadores. E isto cai como uma luva para as direções do movimento escoteiro.

Toda esta política não sugere apenas um pequeno obstáculo para o escotismo, mas é extremamente grave ao contrariar fundamentos do movimento: a plena formação cidadã, o compartilhamento e a própria espontaneidade de criação e inovação. Já não estamos falando de um sujeito que contribua com a transformação da sua realidade ou da causa que participa, mas de um sujeito “neutro” quantos aos problemas ou, pior, que não reconheça as condições precárias que lhe oferecem ou que são impostas para a prática do escotismo.

Reparem, no entanto, que em nenhum momento o sistema de competências falará que o cidadão não deve se formar. O sistema, em si, incumbe-se de que a própria formação e sua busca sejam condicionadas a determinantes psicossociais sob condutas desejáveis previamente estabelecidas. Na página 28 do documento “Competências e Rotas de aprendizagem” divulgado pela “Escoteiros do Brasil”, há uma explicação melhor sobre isso:

São as competências essenciais que levam o voluntário a se comportar como um adulto e líder. Espera-se que, assim, ele sinta a motivação para se autoaperfeiçoar a partir dos parâmetros estabelecidos por tais competências. (Escoteiro do Brasil, 2019, p. 28, grifo meu)

Quaisquer páginas em redes sociais, direções, equipes, conteúdos, livros, programas e métodos que coadunem com uma “neutralidade”, fomentam uma domesticação do indivíduo. O próprio fato de militar pelo “neutro”, como os próprios reivindicadores do neutralismo pretendem, não é neutro em sua essência. Existe uma alta carga ideológica e política (partidária e econômica) nesta classe de programa. E nada melhor para exemplificar isso, dentro da conjuntura contemporânea, como o programa “Escola sem Partido”.

1.2 – Escola sem partido
Como foi alertado naquele anterior artigo, nenhum sistema de educação ou reforma educacional são desenvolvidos de modo que o seu inteiro teor seja simples de descartar – e isso, principalmente aos não iniciados na linha histórica da educação brasileira, pode parecer confuso. Geralmente estes textos contam com enunciados progressistas e de consenso, mas guardando em sua base um propósito claro.

O programa e ONG Escola Sem Partido (ESP) tinha como pretensão aplicar uma “neutralidade” dentro da educação, levantando a teoria de que havia um complô de trabalhadores em educação que pregavam ativismos e ideologias, e que estes somente caberiam à família decidir (percebam como este assunto volta à tona em todos os assuntos abordados pelo escotismo sobre “diversidade”). Ainda que não definisse de forma clara, em seus pressupostos, o que seria “doutrinação” e o que seria um “ativismo”, começa sua pauta de reivindicação com a reafirmação de valores como liberdade e evoca até alguma política baseada no escolanovismo. No entanto, tanto no núcleo de suas propostas como em sua própria realidade concreta, principalmente oriunda das ações de seus representantes políticos, o “Escola sem Partido” não pôde mais esconder o que desejava: aplicar uma lei da mordaça, impedir a organização de estudantes e professores em suas reivindicações, ainda mais no centro mesmo do Magistério, que tem um imenso histórico de mobilizações organizadas contra ações do Estado.

Vejam como estes movimentos que levantam a bandeira do apartidarismo e da neutralidade são eles mesmos o centro ideológicos e com um lado político bastante claro. A reivindicação destes movimentos, na verdade, é de evitar a organização, de empobrecer o debate e o acesso à informação; querem reprogramar o cidadão para que incorpore uma neutralidade ou os valores institucionais, enquanto o outro lado desta relação tem sua via ideológica livre. O Escola sem Partido não mexia estritamente com a educação, mas também com as condições de trabalho dos professores (e é aqui que nos interessa).

O surgimento destes movimentos também é explicado por Gohn em seu livro, cuja primeira edição foi escrita em em 1986, ao redor de 30 anos antes que o próprio projeto do ESP pudesse tentar se estabelecer:

À medida que o capitalismo se consolida, as lutas sociais vão deixando de ser apenas pela subsistência e surgem concepções alternativas dos direitos. A educação volta a ser pensada pelas classes dirigentes como mecanismo de controle social. Os teóricos da economia a recomendam para evitar desordens (GOHN, 1992, p. 13).

Com “teóricos da economia”, a autora se reporta principalmente aos pensadores da economia clássica. É que o sistema de competências (seja como proposta educacional, de formação ou organizativa) bebe do que há de mais atrasado no liberalismo econômico ao acentuar o caráter classista da sociedade. Um dos pais desta política, Adam Smith, ainda que expressivo e importante em seu período histórico, diz o seguinte em seu segundo livro da A riqueza das nações.

Embora as pessoas comuns não possam, em uma sociedade civilizada, ser tão bem instruídas como as pessoas de alguma posição e fortuna, podem aprender as matérias mais essenciais da educação – ler, escrever e calcular – em idade tão jovem, que a maior parte, mesmo daqueles que precisam ser formados para as ocupações mais humildes, têm tempo para aprendê-las antes de empregar-se em tais ocupações. Com gastos muito pequenos, o Estado pode facilitar encorajar e até mesmo impor a quase toda a população a necessidade de aprender os pontos mais essenciais da educação (SMITH, 1996, p. 246).

Smith acredita que a relação do Estado com o sujeito e com a educação deve estar submetida à divisão do trabalho (que é, em primeira instância, uma posição política e ideológica). É por isso que, assim como a Reforma do Ensino Médio e também pelo que manifestam os últimos ministros de educação do atual governo, a palavra de ordem é uma formação geral (fazer contas, escrever e pouco mais) voltada à mercantilização do indivíduo para as demandas imediatas. Somada a isso, também vimos nada menos que um Presidente da República afirmar que “jovens não devem ter senso crítico”.

Cabem aqui duas lembranças, até para que não entremos em confusão. A primeira é que a formação para o trabalho não é o problema e deve ser incentivada no escotismo. Não é à toa que os institutos técnicos federais representam um dos melhores ensino no país. A diferença é na abordagem desta educação e no que se entende por formação plena; se estamos voltados à mercantilização do produto humano para as demandas do mercado ou para além dela.

Para exemplificar melhor, em uma formação geral já não existiria a necessidade que a educação institucional estivesse comprometida com a formação humana, porque tudo aquilo que não tem aplicabilidade imediata não serviria para o sistema de competências. Do que adianta estudar contextos sociais e históricos, poesia, literatura, pensadores, filosofias e conceitos universais se não existe aplicabilidade concreta e imediata? É sob esta premissa que o sistema de competências se apresenta. Ele é, portanto, um novo slogan do liberalismo para a construção de um “trabalhador barato do século 21”. E há, neste momento, um representante infalível da promoção deste sistema, que nos mostra todo o retrocesso que o envolve: a Reforma do Ensino.

A segunda lembrança é que dentro de uma perspectiva reformista, o sistema de competências não é reacionário como o programa “Escola sem Partido”, ainda que compartilhem objetivos. Este último pretendia impor a ideologia dominante à base da censura e de anular os pensamentos de oposição. O sistema de competências é mais sutil: ele trabalha com um suposto acordo em que, no atual sistema, deve-se impor um modelo ideal de personalidade em face ao que chamam de “desafios” (precarização) e “flexibilização” (expressão muito usada no material escoteiro para a formação de adultos, que pode ser desde uma mera mudança em distintivos até relações profundas entre a instituição e o adulto).

1.3 – Reforma do Ensino
No momento em que vivíamos uma experiência concreta de uma educação pública abandonada e atacada pelo programa e ONG Escola Sem Partido, da criminalização de uma categoria que basicamente carregava o ensino brasileiro nas costas (os professores), surge a proposta da Reforma de Ensino das mãos do governo Temer, mas já engendrada por governos anteriores – e não afirmo isto para parecer imparcial quanto às bandeiras partidárias, mas porque foi exatamente assim; partidos com diferentes velocidades no chicote, mas compartilhando do mesmo objetivo.

Novamente, tínhamos diante da educação um projeto que precisava ser explicado ponto por ponto para que, finalmente, pudesse ser derrubado por inteiro. A Reforma do Ensino, seguindo a cartilha de sempre, continha itens que poderiam ser atrativos para a juventude e para educação – como a liberdade de escolha do que se poderia estudar, sobre a promessa de um emprego imediato…mas com um olhar um pouco mais criterioso, representava o mais puro retrocesso educacional.

Quanto a isso, no momento que escrevo este texto (2020) não me valho da minha opinião, mas de dados. Desde a implementação da reforma trabalhista (que prometia 6 milhões de empregos) e da reforma do Ensino Médio (que prometia emprego imediato), os dados de desemprego entre adultos e jovens são extremamente alarmantes, além das relações de trabalho estarem profundamente debilitadas, pejotizadas, inseguras e precárias. É a isto – precarização nas condições de atuação –  que o sistema de competências chama “desafio” e “flexibilização”, enfatizando que o escotista tenha capacidade de se adaptar para manter sua produtividade.

O sistema de competências, em seus enunciados, começa com a mesma retórica de todos estes projetos: parece um avanço, parece uma atualização. Ele, alega, surge como uma alternativa ao nosso processo educativo tecnicista, conteudista, que coloca o tutor como o detentor dos saberes e os tutorados simplesmente como depósitos. Tudo isso é de consenso entre nós, e não difere muito do que dizia John Dewey sobre a educação ativa. Entre os educadores, são pressupostos consagrados.

O sistema de competências, no entanto e seguindo o exemplo destas reformas, traveste-se de moderno ao mesmo tempo em que guarda, em seu núcleo, objetivos claros de padronizações em comportamentos e direcionamento de reflexões, ferindo a liberdade e espontaneidade preconizada pelo escotismo. Ainda que se esconda em palavras progressistas, não é mais que uma extensão das propostas liberais e toyotistas advindas desta “nova” forma de produção histórica na exigência de uma formação geral para atender às demandas produtivas imediatas. Ademais, possui o agravante de ser um mediador na construção do indivíduo ao interferir naquilo que ele pode ter acesso, naquilo que ele pode pensar ou aprender. É uma espécie de “Escola sem Partido” com seu consequente disfarce de bom-mocismo. É velha política.

Esta foi a primeira parte sobre o sistema de competências, com um muito breve resumo histórico para que o leitor se situe melhor. É de se estranhar, no entanto, que não exista nenhum material produzido pela direção nacional dos escoteiros com uma justificativa qualificada para a escolha deste modelo, apenas um genérico “é a ferramenta adequada” (Política Nacional de Adultos, p. 5). Ademais, não existe nenhum levantamento histórico e nenhuma menção a outras modalidades de gestão e formação (como a “histórico-crítica” ou “crítica-emancipatória) que pudessem ser colocadas à mesa para a discussão.

Se me permitem um pedido: quando for possível, estudem, leiam e debatam; levem este e outros textos para dentro do grupo escoteiro. Organizem plenárias, organizem reuniões ainda que virtuais. Não se restrinjam ao senso comum, à literatura oficial e à propaganda. Eu entendo que muito do que é escrito aqui pode abalar as convicções pessoais que durante anos depositamos no escotismo, e que é muito mais audível e palatável debater sobre assuntos menores (distintivos, barracas, fogueiras, dias comemorativos). Ainda assim, é importantíssimo que, para o bem do escotismo, saibamos não apenas quando apoiar o movimento escoteiro, mas quando colocar um freio quando aparecem interferências na construção de um mundo melhor e na transformação da sociedade.



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