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Sobre as reminiscências recentes de um dia qualquer.

Deitada em sua cama num estado patético de tédio, rolava por entre os lençóis igual a um típico frango bronzeado dominical de padaria. Colecionava inúmeras noites infrutíferas de insônia, dotadas de pensamentos itinerantes e do clima quente abafado do hemisfério sul. “Se ao menos eu fosse um lagarto…ou uma cascavel. Ah, tanto faz…” pensava ela, enquanto ajeitava seu pescoço no rústico travesseiro (o qual Mais Parecia estar cheio de xerófitas ao invés de espuma e ácaros). A ansiedade a controlava do primeiro abrir ao último fechar dos olhos no dia, pensava tão rápido quanto mudava de pensamentos, suas ideias conspiravam em uma série de imagens correlacionadas em alta frequência recheadas de abstração e desejos subliminares. Seu cérebro mais parecia uma cadeia infinita em looping de comerciais exóticos da MTV.

Levantara da cama assim meio Sem Vontade, seu tique em mexer no cabelo estava ensebando os fios recém lavados. Escolheu a dedo a roupa mais bonita, contudo, acabou vestindo aquele velho vestido de algodão já moldado ao seu Corpo. Numa tentativa frustrada de despertar a vaidade, ainda que ínfima, passou o kajal preto nos olhos (realçando seu olhar vazio e incerto); tentou tirar o brilho da pele – que era muito oleosa por sinal – e, frustrando-se novamente, deu-se por vencida pelo seu aspecto cotidiano de mulher-menina comum. Olhou-se no espelho “Seria trágico se não fosse tão normal…e se o normal por si só já não fosse demasiado trágico para mim” balbuciou enquanto desprezava o batom cor de boca.

Caminhou rápida feito um cágado até a praça, chegando em grande estilo com seus calcanhares trepidantes somados ao seu inevitável pé esquerdo chato. Não era uma pessoa de beleza exorbitante, tão pouco desejava ser. Sua beleza surgia do seu contentamento e conformismo com as limitações imutáveis de Seu Corpo. Tinha esse jeito sem vontade de viver e ao mesmo tempo de uma efervescência sentimental, transformando-a em uma tempestade híbrida de sensações. Esguelhou-se até um canto – nada aconchegante – discreto da praça. Várias pessoas sentadas em um círculo assistiam a um espetáculo de teatro ritual; artistas com olhares penetrantes e performances demarcadas pela força e presença do corpo seduziam até os olhares mais tímidos dos transeuntes. Julieta gritava e suava o poder de suas decisões tão pouco discutidas na obra original, e uma belíssima discussão entre O Maquinista e O Flecheiro acerca da “saúde” do amor e do amar permeou a horda de sentimentos inexatos que Ela cultivou em suas noites mal dormidas.

O circo se desmontou, os artistas se retiraram esguios e rápidos como num ligeiro piqué. A plateia dispersou e a praça voltou ao seu estado rotineiro, e, assim como o ditado “fácil como tirar doce de criança”, os quarenta minutos de espetáculo foram o suficiente para que Ela percebesse sua inércia na vida. Não só o tapa na cara e as contidas emoções, mas também a impactante frase recém tatuada em sua mente “Eu não consigo ser pouco” marcaram aquela noite de quarta-feira, relembrando as tantas podas de si afim de se enquadrar em relacionamentos e supostas condições pré-estabelecidas do perfeito convívio social. Ela sabia que por trás daquele corpo desleixado e do rolar de olhos inevitável a qualquer manifestação de resquício de vida, existia presa encarcerada a sua verdadeira personalidade intensa e densa, que emergia na pequena cela dentro do seu peito. Sofria taquicardias frequentes por reprimir o seu excesso de amor, pois nem mesmo Ela sabia como lidar com ele. Escorreram duas lágrimas do olho direito…a luz do poste exagerada lhe atingiu feito um tiro de 12. Comprou um gelado chá mate com bastante limão e ficou encostada no canto da praça, observando uma velha memória desfilar sua arte do desprezo. Ficou um bom tempo por ali, esperando de soslaio.




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