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Por dentro da invasão

A chegada

Era perto das 23h do dia 1º de setembro quando ônibus entraram em um terreno de 72 mil metros quadrados – suficiente para abrigar dez campos oficiais de futebol – que a construtora MZM mantém em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. Militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) desceram dos veículos e se apressaram em levantar dezenas de barracas no local. Em poucos dias, o assentamento, encravado em um bairro de classe média e média alta, entre a fábrica da Scania e a via Anchieta e a menos de 3 km da prefeitura, se tornaria uma das maiores invasões já feitas na história do grupo.

Liderado por Guilherme Boulos, a mais conhecida liderança nacional dos sem-teto, o movimento diz que há mais de 7.000 barracos na área invadida – a Vila Nova Palestina, na Zona Sul de São Paulo, o maior assentamento ativo do MTST, tem cerca de 8.000. De acordo com militantes, a invasão do terreno já era estudada há pelo menos seis meses. Caso a ação não fosse bem sucedida, as famílias poderiam migrar para outros três terrenos inativos que o movimento monitora em São Bernardo do Campo.

O MTST usou imagens aéreas do Google e enviou militantes para medir a área e estipular quantas famílias poderiam ser colocadas no terreno. Uma coordenadora do grupo, que não quis se identificar, disse que o local foi escolhido por conta do fácil acesso. Pessoas vindas de Diadema constituem a maioria da população do assentamento. Entre elas, as histórias se repetem: são desempregados que têm dificuldades para pagar as contas, foram despejados de suas casas ou moram de favor na residência de parentes.

Apesar dos números propagandeados pelo MTST, a maioria das barracas fica vazia durante o dia e à noite. Segundo os coordenadores, os membros das famílias se revezam para conciliar o trabalho com a manutenção das tendas. Reservadamente, militantes dizem que não é preciso morar no assentamento. Só é necessário manter as habitações limpas e marcar o comparecimento em assembleias e atos do movimento.

Há uma pontuação atribuída conforme as pessoas atendem a uma “lista de presença”. A chamada é feita diariamente no assentamento ou nos protestos realizados em São Paulo. Se um militante tiver frequência baixa nas atividades, o movimento pode tirar o seu direito ao barraco e solicitar que ele deixe a ocupação. A coordenadoria diz que faz uma recomendação para as pessoas militarem pelas causas do MTST, mas nega que o comparecimento seja obrigatório.

Os invasores

Batizado de “Ocupação Povo Sem Medo”, o assentamento de São Bernardo do Campo foi constituído por militantes de outras invasões mantidas pelo MTST. Pessoas que habitavam outros terrenos foram escolhidas por meio de assembleias para formar as primeiras barracas na propriedade da construtora MZM. O crescimento exponencial se deu a partir do dia 7 de setembro, quando os militantes aproveitaram o feriado para organizar uma força-tarefa e erguer tendas – mesmo que, naquele momento, não houvesse pessoas destinadas a elas.

Pessoas sem laços com o MTST foram avisadas do intuito da invasão por meio de mensagens enviadas pelo Whatsapp ou do repasse de informações por vizinhos. A promessa é a de que o movimento facilitará o acesso à casa própria no programa social Minha Casa, Minha Vida – Entidades, modalidade que concede financiamentos, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), diretamente aos beneficiários (pessoa física) ou a uma entidade (pessoa jurídica) que reúna os beneficiários.

Organização é palavra de ordem no assentamento. A área é divida por setores chamados de “G”. Há dezenove “Gs” na ocupação, sendo que cada um tem capacidade para abrigar 500 pessoas, segundo o MTST. Cada conjunto possui uma cozinha e dois banheiros – um feminino e um masculino. Na entrada do acampamento, um barracão comporta a mesa de trabalho dos organizadores e a dispensa, onde alimentos e roupas doados são armazenados. Há também um palanque de madeira destinado aos atos políticos e à realização de palestras diárias.


Explore o acampamento em imagens 360º

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Cada assentado ajuda nas tarefas cotidianas de acordo com a sua própria vontade. São constantes as reclamações, principalmente entre as funcionárias das cozinhas, de que pessoas que não auxiliam nos serviços cobram rapidez no preparo dos alimentos e no armazenamento de água. Por dia, são preparados oitenta quilos de arroz, vinte quilos de feijão e vinte quilos de macarrão. O complemento da refeição depende das doações enviadas ao acampamento na semana.

Não há energia elétrica nem água encanada no terreno. Os poucos eletrodomésticos e a iluminação funcionam graças a baterias avulsas. Já a maior parte da água consumida pelos assentados vem de uma bica localizada no entorno do terreno. Os banheiros, todos cavados na terra, provocaram reclamações dos moradores de prédios vizinhos, que alegam que as fossas estão sendo construídas muito próximas ao muro que delimita a área dos edifícios.

Todos os assentados são obrigados a recolher o próprio lixo e a levá-lo para a entrada do acampamento. Aqueles que armazenarem sujeira podem receber advertências do setor de autodefesa, responsável pela segurança do local. Nas barracas, a minoria conta com colchões ou outros móveis. As pessoas que de fato permanecem no terreno se dispõem a levar cadeiras ou deitam na terra para dormir. Elas reclamam do calor embaixo das lonas e da presença constante de bichos, como escorpiões e cobras.

É proibida a entrada de fogões e comércio de drogas, bebida alcóolica ou qualquer outro produto no terreno. A reportagem flagrou, no entanto, uma barraca com um fogão improvisado. Uma garrafa de catuaba pôde ser vista no lixo que os assentados levavam para a coleta logo pela manhã. Uma militante também admitiu que armazenava cachaça em sua barraca.

Às 22h é dado um toque de recolher que deve ser cumprido por todos os assentados. Até os moradores dos prédios vizinhos admitem que o acampamento fica silencioso durante a noite. As únicas pessoas autorizadas a circular pelo local são os membros da autodefesa, que se alternam para fazer uma ronda.

As razões

Ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em um terreno em São Bernardo do Campo/SP (Adriano Lima/VEJA.com)

As razões que levaram as pessoas à invasão não costumam variar. O desemprego é a principal justificativa. As amigas Angélica Bernardo Costa, de 26 anos, e Fabiana de Souza, 30, foram ao terreno durante a tarde da quarta-feira (20) para saber o que tinham de fazer para viver no acampamento. Desempregadas, elas estão com dificuldades para arcar com o aluguel. No colo de Fabiana estava Natyele, uma criança de um ano. “Ela virá comigo, não tenho com quem deixar”, disse. Angélica está grávida de dois meses. O MTST diz que aconselha os pais a deixarem as crianças com parentes. Caso não exista essa possibilidade, as famílias devem assegurar que os filhos estão indo para a escola todos os dias. Poucas foram as crianças avistadas pela reportagem ao longo de toda a quarta-feira.

Aliado ao desemprego, o aluguel é o causador de muitos dos problemas das famílias que recorreram ao MTST. Um militante, identificado apenas como Paulinho, havia acabado de se mudar com a mulher e a filha por ter sido despejado da casa em que vivia. O metalúrgico desempregado Tiago Alves de Lima, 44 anos, contou história semelhante. “Não tenho nada no meu nome, moro de favor com minha mãe. Minha mulher trabalha como faxineira e ajuda a pagar o aluguel”, disse. “Estou aqui pelo futuro das minhas filhas.”

Estou aqui pelo futuro das minhas filhas.

Tiago Alves de Lima, 44 anos

Lima afirmou que passa o dia no acampamento fazendo os serviços braçais que lhe são requisitados. Ele admite, no entanto, que não dorme na ocupação. Assim como o metalúrgico, diversos assentados possuem um local para voltar caso haja reintegração de posse. “Estou desempregado e vim com o objetivo de ter uma casa própria. Entre ficar parado em casa e aqui, fico parado aqui no acampamento. Se der errado, volto para a casa da minha mãe”, disse o motorista Reinaldo Márcio, de 40 anos.

Neide dos Santos, de 66 anos, fincava estacas na terra para armar a sua barraca. A aposentada tem o sonho de conseguir uma casa para ela e a nora. “Vivo no fundo da casa dos outros. Quando ficamos com uma idade avançada, temos que procurar um cantinho para nós. Isso aqui é uma oportunidade”, disse. Ao lado dela estava o estudante Maurício Pantaleão, 21, que mora com a avó. “Minha avó quer que eu arrume um lar e comece a trabalhar, mas o emprego está difícil. Vim aqui tentar algo e ficarei até o fim.”

Com um desgaste na coluna e incapacitada de trabalhar, Adriana Aparecida de Souza Cardozo, de 44 anos, saiu do bairro de Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo, para tentar conseguir um imóvel próprio. Diz que não tem como arcar com o aluguel nem pagar uma dívida de 10 mil reais que contraiu nas contas de água e luz. “Somos tratados como lixo, mas somos lutadores. Temos o direito de sonhar com uma vida melhor. Mas, para o mundo, somos bandidos por sermos pobres.”

Os outros

A militante Rakyllayne Rios, de 32 anos, aponta para os prédios vizinhos ao terreno e diz: eles ficam comovidos com os refugiados que veem na televisão, mas não se importam com os refugiados do próprio país. A tensão entre assentados e moradores locais chegou ao seu nível mais alto após o desembargador Correia Leite suspender a reintegração de posse do terreno, na última sexta-feira, 15. Uma audiência de conciliação chegou a ser feita no mesmo dia, mas as partes – invasores e a construtora dona do terreno – não entraram em acordo.

No sábado (16), os moradores organizaram um protesto pela saída do acampamento. A manifestação foi capitaneada pelo Movimento Contra Invasão em São Bernardo (MCI), chefiado pelos síndicos dos prédios que fazem divisa com a invasão. Durante a tarde do mesmo dia, um homem que estava no terreno foi atingido no braço por um tiro de chumbinho. Militantes alegam que o disparo partiu do prédio, enquanto os moradores dizem que a ocorrência foi resultado de uma discussão entre os assentados. A Polícia Militar afirma que não pôde investigar por não ter autorização para entrar no local.

André Luis Strusaldi, 38, síndico de um dos prédios, afirmou que os moradores estão apavorados. “Tivemos que colocar dois seguranças a mais no muro de trás. Algumas pessoas resolveram deixar os apartamentos e passar uma temporada na casa de parentes”, disse Strusaldi, que é dono de uma empresa de TI (tecnologia da informação). “A rua está cheia de carros e de gente estranha. Ontem [terça-feira] chamaram a polícia porque tinham pessoas estranhas paradas em frente a um condomínio e tirando fotos dos portões.”



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