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Máquina do tempo


Nelson Rodrigues
Sempre fui muito nostálgico. Adoro filmes antigos, músicas dos anos 80, determinados ambientes que me remetem a tempos passados. E com relação ao jornalismo, Sempre fiquei pensando como deveria ser boa a época em que as redações eram tomadas pela neblina formada pela fumaça dos cigarros dos jornalistas, a relação militante com a profissão, como fosse um dever do jornalista mudar a realidade. De todas as coisas que me remetem a uma época que eu pouco vivi, existe um símbolo, um ícone, que concentra quase todo meu sentimento nostálgico: A máquina de Escrever.

Em alguns momentos de fantasia, assim que decidi deixar a carreira jurídica para seguir o jornalismo, pensava no tec tec tec tec das teclas, sempre achei esse som encantador, sobremaneira nos filmes que contavam histórias respeito da profissão. Resolvi adquirir uma maquina de escrever.

Para um equipamento em desuso achei incrível o fato de ele ser tão caro em todos os lugares que procurei. “Trata-se de uma raridade meu amigo”, era o que geralmente ouvia dos negociantes de antiguidades. Engraçado como as coisas nascem, vão ganhando valor pela sua utilidade, atingem o ápice da dependência humana, são aos poucos substituídas por inovações, entram e desuso, viram lixo e depois de anos se tornam artigos caríssimos, apesar de não ter nenhuma utilidade técnica. Mas como um dos vendedores me falou “essa máquina representa um período da história”. E quanto custa isso?

Um dia, ajudando meu pai a se desfazer de algumas coisas, em meio a uma quantidade sem número de caixas, trecos e afins, encontrei uma maquina de escrever totalmente empoeirada e enferrujada. Mais que depressa pedi que meu pai a me desse. Ele concedeu, não sem antes me fazer prometer que eu cuidaria bem dela, pois ele a possuía há muitos anos, “uma antiguidade”, disse ele. Prometi pelos meus filhos - que ainda não tenho-, pela minha felicidade, por mim mesmo, que ela estaria em boas mãos.

Apaixonadamente, carreguei a maquina para minha casa me sujando todo com as camadas históricas de poeira impregnadas nela. Passei horas limpando cada canto, cada tecla, os detalhes. Assim que terminei, corri, peguei uma folha de papel coloquei na máquina. Funcionava perfeitamente. Que felicidade! A primeira coisa que pensei: “Irei escrever um conto nessa maquina”. Fazer isso seria como a realização de uma fantasia, algo que é dotado de valor apenas pelo seu significado. Nada mais nostálgico.

Passei alguns dias pensando sobre qual tema escrever. Vários eram os assuntos que surgiram, mas qual seria aquele que ficaria marcado na minha história como o primeiro conto escrito na minha maquina de escrever. Deveria ser algo importante, algo que tivesse um grande significado. Criei uma relação com a máquina de escrever e a primeira vez deveria ser especial.

Eis que defini sobre o que iria escrever. Preparei-me, preparei a mesa onde ela fica, dividindo espaço com o laptop, sentei-me a frente dela e comecei a ensaiar as primeiras tecladas. De cara já comecei a encontrar dificuldades para digitar. As teclas são duras e é necessário empregar força nos dedos para que a letra saia no papel. Depois, as palavras que digitava de forma errada; Elaborar um texto com a maquina de escrever é como escrever na rocha, o erro é pra sempre. O que resultou em dezenas de folhas amassadas no chão do meu quarto. 

Na medida em que ganhava intimidade com o aparelho, comecei a digitar com mais velocidade, porém, sempre as letras ficavam trepadas umas sobre as outras, sendo necessário parar o tempo todo para desprendê-las. O que começou a me irritar. O momento mágico passou a se tornar trágico. E depois de inúmeras tentativas frustradas e uma resma de folhas desperdiçadas, desisti da minha investida. Naquela noite meu encontro com a máquina de escrever foi frustrado. Foi o que pensei naquele momento.

Quando me deitei e olhei para ela, que não se deixava ser dominada, e percebi que a experiência de não conseguir escrever teve um significado. De uma forma muito estranha, aquela luta em usar uma maquina de escrever me fez perceber que o passado sempre esteve mais presente em mim do que o próprio presente. Sempre me referia aos anos passados como se fossem muito melhores do que o presente. Quando na verdade, a melhor época é aquela em que podemos fazer alguma diferença na realidade, isso só é possível no presente.

Lembrar do passado é sempre bom para sabermos da onde viemos e para onde vamos. E não ter uma relação exacerbadamente saudosista com o que passou, ao ponto que nos impeça de ir à diante ou mudar o que precisa ser mudado no hoje.

Desisti naquela noite, mas ainda quero escrever um conto na minha maquina. O tema não será mais o mesmo de antes, voltei à busca de qual será o primeiro. E por que eu vou escrever em uma maquina tão antiga, além, é claro, da minha satisfação pessoal? Acho charmoso.



Bruno Nasser






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