(Por Cristina Barbosa)

Durante muitos anos, ouvimos sobre a importância da leitura e de como a literatura têm o poder de nos transportar a outras dimensões. Quem é fã de leitura sabe bem como é esse sentimento. Escolhe-se um livro e, de repente, você faz parte daquele mundinho em um piscar de olhos, seja vivendo em uma cidade mágica, dançando com o príncipe encantado ou descobrindo um curioso assassinato. Você é capaz de dar uma risada alta em pleno metrô lotado ou chorar copiosamente na hora de dormir, assim como também é capaz de não dormir apenas para ler mais uma página. Peraí, só mais um capítulo. Calma, mais unzinho e já vou apagar a luz.

Livros nos fazem criar rostos, desenhar personagens e esboçar cenários. Nada nos é dado, tudo nos é sugerido. Cabe à nossa amada imaginação dar conta de todo o resto. Mas e quando não sobra muito espaço para a criação? E se já soubéssemos, desde a primeira linha, a cor dos olhos do tal belo protagonista? O que acontece na nossa mente quando somos inundados de imagens e sons, sem ter tempo pra imaginar a voz daquela mocinha tão amada? O que muda?

De acordo com o site “The Hollywood Reporter”, com dados de janeiro de 2019, a Netflix, popular rede de streaming de filmes e séries, chegou a 139 milhões de contas ao redor do mundo. Considerando que muitos usuários compartilham a sua conta com amigos e familiares, é certo que o número de usuários é bem maior do que esse.

Cada vez mais, séries com muitas temporadas e bastantes episódios para serem acompanhados vêm ganhando o gosto popular e, nas rodinhas de conversa, o que antes se perguntava sobre as novelas das 7 e das 9, agora, deu lugar às perguntas: “você já assistiu essa série?”, “já chegou nessa parte?” e “sabe quando estreia a nova temporada?”. Peraí, só mais um episódio. Calma, mais unzinho e já vou desligar.

Fato é que os seriados ganharam um lugar no pódio das coisas-mais-legais-pra-se-fazer-nos-finais-de-semana-e-que-todo-mundo-adora. A pergunta agora é: seria loucura comparar o envolvimento emotivo que se tem ao folhear as páginas de um livro com o gosto de passar horas maratonando uma série, apenas de olho na TV?

Há dezenas de séries com roteiros envolventes e muito bem escritos, além de personagens complexos e longe do lugar-comum, há seriados que produzem a catarse que precisamos para sobreviver na realidade do mundo atual. Essa catarse pode ser comparada a um folhear de páginas, quando a expectativa para a cena seguinte é enorme, seja ela no frame de um vídeo ou no parágrafo de um livro.

Muda a ideia, muda um conceito. A imaginação permanece na curiosidade do desenrolar das próximas cenas, assim como a reflexão sobre o que foi visto também acontece, só que agora numa velocidade mais rápida, entre um episódio e outro, ou na hora de dormir, quando tal cena não sai da cabeça.

Se a gente perde o extenso detalhamento de uma floresta com suas flores e animais, desenvolvida em longos parágrafos e imaginada folha por folha, ganha-se no contraste das cores expostas na telinha e nos elementos tão bem desenhados que nunca teríamos imaginado daquela forma.

Esqueça certo ou errado, moderno ou tradicional. O que há são novas formas de entreter, imaginar e fazer sonhar, refletir, engajar. Percebemos com tudo que 2020 nos mostrou que pessoas precisam da arte para viver além dessa rotina avassaladora e ela pode vir em pequenas letrinhas impressas ou em grandes cenas barulhentas. Que a gente saiba viver o melhor desses dois mundos. Que a gente espere a próxima temporada da série favorita enquanto lê aquele livro tão indicado, porque toda arte precisa da imaginação. E em qualquer arte, quem manda é a nossa emoção.