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O que há por trás da língua? O machismo estrutural e suas facetas

(Por Renata Villon)

O que está por trás do que escrevemos? Essa discussão foi trazida à tona com campanha lançada este ano pela marca Hering, com a atriz Mariana Ximenes como porta-voz, e busca repensar o nome dado à peça de roupa chamada “tomara que caia”.

A intenção por trás das Palavras é óbvia: tomara que a blusa ou vestido sem alças caia, deixando a mulher exposta. O sexismo por trás desse desejo é levado como um simples jargão ou uma piada, sendo que é, na verdade, assustador. A atriz chama a atenção para o fato de que no inglês, por exemplo, se utiliza a palavra “strapless”, que significa “sem alça”, para se referir à peça de roupa, e fala que deveria ser chamada da mesma forma em português.

Divulgação Cassia Tabatini

Em outro exemplo, no aclamado livro O Velho e o Mar (1952), de Ernest Hemingway, há um momento em que o narrador fala da relação que os pescadores tinham com o mar: “Às Vezes aqueles que o amam lhe dão nomes vulgares, mas sempre como se fosse uma mulher”. A ideia é que alguns o chamariam de “la mar”, no feminino, por lhe atribuir uma natureza instável, ora doce, ora agitada, mas capaz de conceder grandes maravilhas, associada ao feminino.

Já os que se referiam a ele como “el mar”, no masculino, o viam como um adversário. A verdade por trás dessas palavras é que, ao se referir ao feminino, os pescadores viam algo a ser domado ou persuadido, enquanto ao se referir ao masculino viam uma força a ser encarada de igual para igual, em que o melhor vence. O que dizemos e a forma como dizemos são dois pontos capazes de revelar verdades profundas sobre nós ou sobre a cultura em que estamos inseridos.

Assim como com os pescadores da história, a linguagem é capaz de revelar ou até mesmo moldar determinados pensamentos. Extensos estudos linguísticos apontam para diferenças estruturais que existem em línguas de países com diferentes culturas. Ditados comuns ou até superstições falam sobre como se deve tomar cuidado com o que se diz, sendo comum ouvir coisas como “caso diga determinada coisa várias vezes, vai acabar por acreditar nela/ ela vai acontecer”.

Muitas vezes somos influenciados pela linguagem já cristalizada culturalmente, repetindo expressões que estamos acostumados a ouvir desde a infância e, assim, perpetuando conceitos que Muitas Vezes são prejudiciais. É por isso que se ouve tantas expressões estruturalmente racistas e machistas, que continuam a ser ditas por falta de atenção no que essencialmente significam.

Referência feminista, Simone de Beauvoir disse: “Sei que a língua corrente está cheia de armadilhas. Pretende ser universal, mas leva, de fato, as marcas dos machos que a elaboraram. Reflete seus valores, suas pretensões, seus preconceitos”. Ela alude à sociedade patriarcal, que favorece o masculino em detrimento do feminino e coloca os homens em uma posição de supremacia.

Simone de Beauvoir – Crédito: Liu Dong’ao

Esse machismo estrutural se revela na linguagem cotidiana. Quando chamamos um homem de “vagabundo”, por exemplo, queremos nos referir à sua falta de iniciativa ou modo de vida malandro; quando chamamos uma mulher de “vagabunda”, queremos dizer que ela é “baixa”, indecente.

Até mesmo nas estruturas gramaticais se vê uma centralidade no masculino, já que muitas vezes palavras no masculino também se referem a um grupo misto, mas isso nunca acontece no feminino: “os jovens” pode significar um grupo de jovens com ou sem a presença de mulheres, por exemplo. Palavras mais associadas ao masculino, quando usadas para descrever uma mulher, são ditas com desprezo: quando chamamos um homem de “ousado” queremos elogiar suas qualidades, mas se chamamos uma mulher de “ousada”, a estamos chamando de atrevida.

Estamos acostumados a viver em um mundo em que as palavras espelham comportamentos e ideais da sociedade. É possível lutar contra isso, apesar de não ser fácil. O ‘Manual para o uso não sexista da linguagem‘ aborda essas e outras diversas coisas que dizemos, muitas vezes sem perceber, e que escondem a faceta sexista da realidade.

Todos os dias, mulheres conseguem um pouco mais de espaço e voz na sociedade. Isso não vem sem luta, mesmo que seja contra as próprias palavras. Dizem que as palavras têm poder. E é por isso mesmo que devemos prestar atenção em como nos referimos aos outros, em como escolhemos nos chamar ou chamar ao próximo, os objetos que nos cercam, os postos de autoridade, etc. No fim das contas, o que dizemos sobre outra pessoa pode não revelar muito sobre ela, mas pode revelar muito sobre nós mesmos. E você, já repensou seu vocabulário hoje?



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