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Insônia pt.1


O telefone tocou às 2:21 da manhã. Essa hora só pode ser engano ou tragédia, mas não daquela vez.A voz do Outro lado da linha apenas disse o seguinte: “perdi o sono”, e resposta foi um simples “está bem”.

Eles se conheciam há mais de dez anos e sempre foram amigos e vizinhos. O combinado,de uns tempos para cá,tempos em que a insônia era cada vez mais constante,era o de que se um perdesse o sono,ligaria para o outro,não importava a hora.

Andy,cumprindo o juramento,se levantou rapidamente da cama. Foi até a cozinha e tomou um pouco de coca cola. Quando abriu a porta de seu apartamento, Jimmy já o esperava encostado na porta de sua casa. O corredor que separava as duas portas era tão estreito que se dois homens decidissem caminhar lá,ombro a ombro,enfrentariam muito aperto. Uma única luz amarela iluminava o corredor,fazendo com que nele desfilassem sombras e penumbras produzidas pelos corpos dos dois amigos. O silêncio naquele ambiente era tétrico,interrompido eventualmente apenas por um carro que passava em alta velocidade ou alguma sirene distante.

“Quer fazer o quê, Andy?

“Vamos ao posto. A Loja de conveniência do posto é um oásis na madrugada.”
 
“Hoje ele tá inspirado”, pensou Jimmy consigo mesmo.

Desceram as escadas. Primeiro andar. Térreo. Jimmy abriu a pesada porta de ferro que se fechou com um estrondo atrás deles. Já estavam na rua.

“Mesmo com todo aquele silêncio,mesmo sem que um carro não passasse há horas por aquela rua,o semáforo ainda funciona,alternando suas Luzes para ninguém.Mesmo com todos na cidade dormindo,mesmo que as luzes de todos os apartamentos estejam apagadas,a metrópole ainda funciona,ela Nunca falha,está sempre lá, trabalhando cegamente,observando quem dorme e quem vagueia pelas ruas. Será que existe um humano por trás disso tudo, uma única pessoa que controla a cidade, seus semáforos e tudo mais, uma pessoa que portanto, não dorme nunca, como um Atlas pós moderno, que tem a função de  garantir que a cidade nunca pare de pulsar?”

“Que idéia estranha”, foi o único comentário de Jimmy diante das indagações de Andy antes que eles entrassem no oásis da madrugada.

Na loja de conveniência o quadro se agravava. De um total de seis lâmpadas,apenas duas funcionavam. “Mas o que diabos acontece com essas lâmpadas?”. Um homem dormia com a cabeça apoiada em uma mesinha redonda e havia muitas garrafas de cerveja ao seu lado. Do lado de fora dois irmãos gêmeos conversavam,estranhamente vestiam as mesmas roupas,e mais estranhamente ainda,um era alto,de uns dois metros e meio de altura,o outro não passava do um metro e trinta. Se a loja era um oásis na madrugada,era também um freak show gratuito.

“O que você quer?”

“O que você quer,Andy?!”. A alteração na voz de Jimmy fez os gêmeos olharem para eles.

“Só um café,obrigado. Muito leite e muito açúcar”. Quem acordasse o outro tinha que pagar por tudo,era esse o combinado.

“Será que insônia é contagioso, Andy?”

“Não, mas se duas pessoas passam muito tempo juntas um organismo sincroniza com o outro. Tipo aquelas mulheres que moram juntas e menstruam no mesmo dia.”

“Então elas tem TPM juntas também?”

“Acho que sim.”

“Ser lésbica deve ser uma merda,então. TPM em dobro.”

“Prazer em dobro também.”

Terminado o café de um e o refrigerante do outro foram dar uma volta pela noite. Foi então que entre as baforadas de um cigarro compartilhado por ambos viram o sol nascendo.

“Enquanto todos na cidade estão aproveitando suas últimas horas de sono,nós estamos aqui,acordados,privilegiados,vendo um dia morrer e o outro nascer. Vendo ainda a luz natural  engolir as luzes artificiais, ou seria simplesmente pegar o seu lugar de direito? Vemos aqui,enquanto os outros dormem, um ciclo se iniciando,um embrião se desenvolvendo,enquanto os outros dormem,e nós aqui,acordados,com insônia outra vez.”


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