O escritor americano Bruce Feiler publicou recentemente um best seller intitulado Os Segredos das Famílias Felizes.1É uma obra atraente que usa pesquisa em grande parte extraída de temas como formação de equipe, solução de problemas e conflitos, mostrando como técnicas de gerenciamento podem ser usadas em casa também para ajudar a fazer das famílias unidades coesas que deixam espaço para o crescimento pessoal.

Ao final, porém, ele faz uma afirmação bastante inesperada e surpreendente: “O mais importante que você pode fazer pela sua família pode ser o mais simples de todos: desenvolva uma forte narrativa familiar. Ele cita um estudo da Universidade Emor dizendo que quanto mais os Filhos souberem sobre a história da família, “mais forte será seu senso de controle sobre suas vidas, mais alta sua autoestima, e terão mais sucesso em acreditar nas suas funções na família.”2

Ele deseja que cada geração passe adiante a história para a próxima. Quer que os pais judeus se tornem educadores.

Uma narrativa familiar conecta os filhos com algo maior que eles próprios. Ajuda a entender como se encaixam no mundo que existiu antes de nascerem. Dá a eles o ponto de partida para uma identidade. Isso por sua vez se torna a base da confiança. Permite que os filhos digam: “este é quem eu sou. Essa é a história da qual faço parte. Essas são as pessoas que vieram antes de mim e das quais sou descendente. São as raízes da qual brotei em direção ao sol.”

Em nenhum lugar esse ponto foi afirmado mais dramaticamente que por Moshê nessa porção da Torá. A décima praga está a ponto de acontecer. Moshê sabe que essa será a última. O faraó não irá simplesmente deixar o povo ir. Ele insistirá para que partam.

Assim, sob o comando de D'us, ele prepara o povo para a liberdade. Mas ele o faz numa maneira única. Não fala sobre liberdade. Não fala sobre romper as correntes da escravidão. Nem sequer menciona a árdua jornada que terão pela frente. Também não aumenta seu entusiasmo dando-lhes uma visão do destino, a Terra Prometida que D'us prometeu a Abraham, Isaac e Jacob, a terra de leite e mel. Ele fala sobre filhos. Três vezes no decorrer da parashá ele volta ao tema: “e quando seus filhos lhe perguntarem ‘O que quer dizer com este rito?’ você responde…” (Êxodus 12:26-27)

Se você planeja por um ano, plante arroz. Se planeja por uma década, plante uma árvore. Se planeja para um século, eduque um filho.

E deves explicar aos teus filhos naquele dia “É por causa daquilo que o Eterno fez por mim quando me libertei do Egito” (Êxodus 13:8)

E quando, no futuro, seu filho perguntar, dizendo, “ o que isso significa?”, deves responder a ele… (Êxodus 13:14).

Isso é maravilhosamente contra-intuitivo. Ele não fala sobre o amanhã mas sobre o futuro distante. Não celebra o momento da libertação. Ele deseja assegurar que formará parte da memória do povo até o final dos tempos. Ele deseja que cada geração passe adiante a história para a próxima. Quer que os pais judeus se tornem educadores.

Inspirado por D'us, Moshê ensinou aos israelitas a lição chegada por uma rota diferente aos chineses: Se você planeja por um ano, plante arroz. Se planeja por uma década, plante uma árvore. Se planeja para um século, eduque um filho.
Os judeus se tornaram famosos no decorrer das eras colocando a educação em primeiro plano.

Enquanto outros construíam castelos e palácios, os judeus construíam escolas e casas de estudo. A partir disso fluiu todas as realizações familiares das quais temos orgulho coletivo: o fato de que os judeus conheciam seus textos mesmos nas épocas de analfabetismo em massa; o registro da erudição e intelecto judaico; a impressionante representação dos judeus entre os moldadores da mente moderna; a reputação judaica, às vezes admirada, às vezes temida, às vezes caricaturada, pela agilidade mental, argumento, debate e a capacidade de ver todos os lados de uma discórdia.

D’us queria que déssemos Aos Nossos Filhos uma identidade transformando a história em lembrança, e a própria lembrança num senso de responsabilidade.

Porém o ponto de Moshê não era simplesmente este. D'us jamais nos ordenou: deves ganhar um Prêmio Nobel. O que Ele queria que ensinássemos aos nossos filhos era uma história. Queria que ajudássemos nossos filhos a entender quem eles são, de onde vieram, o que aconteceu com seus ancestrais para fazer deles o povo distinto que se tornaram e quais momentos na história moldaram suas vidas e sonhos. Ele queria que déssemos aos nossos filhos uma identidade transformando a história em lembrança, e a própria lembrança num senso de responsabilidade. Os judeus não foram convocados para serem uma nação de intelectuais. Foram convocados para serem atores num drama de redenção, um povo convidado por D'us para trazer bênçãos ao mundo pela maneira como viviam e santificaram a vida.

Durante algum tempo agora, junto com muitos outros no Ocidente, temos às vezes negligenciado esse profundo elemento espiritual da educação. Isso é o que faz do livro recente de Lisa Miller, O Filho Espiritual,3, um importante lembrete de uma verdade esquecida. Miller ensina psicologia e educação na Universidade Columbia e co-edita o jornal Espiritualidade na Prática Clínica. Seu livro não é sobre Judaísmo ou religião, mas especificamente sobre a importância dos pais encorajarem a espiritualidade do filho.

D’us queria que déssemos aos nossos filhos uma identidade transformando a história em lembrança, e a própria lembrança num senso de responsabilidade.

Os filhos são naturalmente espirituais. São fascinados pela vastidão do universo e nosso lugar nele. Têm o mesmo senso de maravilha que encontramos em alguns dos mais lindos salmos. Amam histórias, canções e rituais. Gostam da forma e estrutura que dão ao tempo, relacionamentos e a vida moral. Os céticos e ateus com frequência têm diminuído a religião como uma visão infantil da realidade, mas isso apenas serve para fortalecer o corolário, que a visão de uma criança sobre a realidade é instintivamente, intuitivamente, religiosa. Prive um filho disso ridicularizando a fé, abandonando o ritual, e concentrando-se em vez disso na conquista acadêmica e outras formas de sucesso, e você o priva de alguns dos mais importantes elementos do bem-estar emocional e psicológico. Como mostra a Professora Miller, a evidência da pesquisa é obrigatória. Filhos que crescem em lares onde a espiritualidade é parte da atmosfera são menos prováveis de sucumbir à depressão, abuso de substâncias, agressão e comportamentos de alto risco incluindo riscos físicos.

Um filho precisa de resistência física e saúde mental e cura. É uma dimensão chave da adolescência e sua intensa busca por identidade e objetivo.

Os anos da adolescência com frequência assumem a forma de uma busca espiritual. E quando há um vinculo de gerações através do qual filhos e pais partilham um senso de conexão a algo maior, nasce uma imensa força interior. Na verdade o relacionamento pai-filho, especialmente no Judaísmo, espelha o relacionamento entre D'us e nós.
É por isso que Moshê enfatiza tanto o papel da pergunta no processo de educação.

Filhos que crescem em lares onde a espiritualidade é parte da atmosfera são menos prováveis de sucumbir à depressão, abuso de substâncias, agressão e comportamentos de alto risco incluindo riscos físicos.

“Quando seu filho perguntar a você, dizendo…” um aspecto ritualizado na mesa do Seder na forma do “Má Nishtaná...”. O Judaísmo é uma fé questionadora e argumentativa, na qual até os maiores fazem perguntas sobre D'us, e na qual os rabinos da Mishná e Midrash constantemente discordam. A rígida fé doutrinária que desencoraja perguntas, chamando para a obediência cega e submissão, é psicologicamente danosa e deixa de preparar um filho para a complexidade da vida real. Além disso, a Torá é cuidadosa, no primeiro parágrafo do Shemá, em dizer: “Ama o Eterno teu D'us…” antes de dizer “Deves ensinar essas coisas diligentemente aos teus filhos.” A paternidade funciona quando seus filhos vêem que você ama aquilo que deseja que eles aprendam.

O longo caminho para a liberdade, sugere a parashá desta semana, não é apenas uma questão de história e política, muito menos de milagres. Tem a ver com o relacionamento entre pais e filhos. É sobre contar a história e transmiti-la através das gerações. É sobre um senso da presença de D'us em nossas vidas. É sobre abrir espaço para transcendência, maravilha, gratidão, humildade, empatia, amor, perdão e compaixão, ornamentados por ritual, canção e prece. Essas nos ajudam a dar ao filho confiança e esperança, juntamente com um senso de identidade, de fazer parte de um lar no universo.

Você não pode construir uma sociedade sadia por meio de famílias emocionalmente não-sadias, e filhos furiosos e em conflito. A fé começa nas famílias. A esperança nasce no lar.