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Corporificação moderna, descorporificação contemporânea

O Mundo VIRTUAL NOS DESCORPORICA — ARTIFICIALMENTE, CLARO. Na realidade, obviamente, continuamos seres corporais. No entanto, ao nos acostumarmos a lidar conosco mesmo sem os corpos, ou então em relação narcísica – cujo efeito é a desconsideração do Corpo do outro -, vamos nos tornando negligentes, descuidados e no limite cruéis com os corpos alheios. Inclusive os preconceitos aumentam, uma vez que o que nos resta sobre o corpo é a vaga ideia de uma silhueta marcada pela simbologia dominante: o corpo do homem, o macho branco. Mas essa descorporificação não é de responsabilidade da Internet somente.

A descorporificação surfa sobre a própria corporificação. Ela é o momento contemporâneo sobre o momento moderno.

O moderno. A revolução que faz com que o corpo seja notado data do final do século XIX e da continuidade do século XX, mais ou menos até 1980. As mercadorias inundam o mundo. O fordismo faz a produção crescer, os preços ficarem mais baixos. O mundo financeiro se amplia e cria o crédito ao consumidor. O fetiche da mercadoria faz todos quererem adquirir os poderes das próprias mercadorias. Não à toa os super heróis feito máquinas invadem os quadrinhos e depois o cinema. Capitão América é ele e seu escudo. Homem de Ferro é sua armadura. O “homem de seis milhões de dólares” é um ciborg”, uma série de sucesso na TV. Tudo já havia sido anunciado por Nietzsche no Zarathustra: é a Grande Razão e não a pequena razão é quem realmente comanda. É o corpo a Grande Razão. Desde então, o importante era achar no cérebro aquilo que a psicanálise dizia estar na linguagem. Desde então, a corporificação se mostrou vigente na identidade social: passamos a ser gordos ou magros, feios ou bonitos, pretos ou brancos, com sexo “correto” ou “trans”, e não mais andamos por aí com identidades pessoais como burguês ou proletário, cristão ou comunista, rico ou pobre etc.

Na transição do moderno para o contemporâneo, passamos a contar como seres biológicos. O poder veio a ser biopoder e nós passamos a nos pegar só dignos segundo a “vida nua” – negativamente como quando estamos no campo de  concentração, positivamente como quando somos contabilizados pelo Welfare State.

O contemporâneo. Na medida em que o dinheiro perdeu o lastro e se tornou dinheiro fiduciário (1971 com Nixon) e na medida em que os mercados de bens materiais e serviços materiais perdeu para o mercado de papéis e, agora, de zeros acrescentados na tela (o efetivamente incorpóreo), também nós todos entramos pelos locais de fluxos de dinheiro. Nos descorporificamos para nos mantermos humanos, uma vez que o humano no capitalismo imita o fetiche. Na modernidade o fetiche da mercadoria, agora o fetiche do dinheiro e da mágica do crédito. Sem corpos, perdemos a possibilidade de âncoras. Tudo deixou de ter relação com o mundo físico, digamos, “o real”, como nós o chamávamos. O virtual ganhou a hegemonia, e nós passamos, para continuarmos a ser gente, a imitar o que tem prestígio. A falta de âncora da virtualidade das novas mercadorias, as mercadorias do mercado financeiro, é também aquela que vinga na visão sobre a linguagem. Esta, por sua vez, deixou de ter referência estabelecida! Os filósofos profissionais sabem que desde 1950 começamos, com Quine, a perder a âncora da linguagem, com a teoria da inescrutabilidade da referência e intradutibilidade do significado. Nessa nova vibe que a tudo abarcou nós nos descorporificamos, mas agora não na maneira da negação do corpo, mas na sua afirmação enquanto peça moldável, reconstruível não como máquina, e sim como fazem os personagens virtuais dos jogos eletrônicos, na pura magia da tela.

Nossa dessexualização agora, portanto, não é mais a cristã, baseada na repressão, mas é uma deserotização do tédio, do amorfo, do desinteresse, da perda de adrenalina, da situação em que nossa essência endorfinada parece ter sido jogada fora! Há uma pseudossublimação. Somos sem corpos porque é na alma que sentimos prazer, mas é um prazer momentâneo demais, apenas a adrenalina de passar mais fases ou mata um inimigo virtual. Nossa alma tem um buraco!

Em um mundo assim, para lembra a todos que há corpos, é necessário muito estímulo: daí os esportes radicais e daí os estimulantes sexuais visuais e químicos. Daí a ampliação do consumo de drogas fora de rituais. Num mundo assim, sem virilidade e sem sangue de guerras, dominado pela guerra dos drones e pela simbologia da androgenia que volta agora para ficar, alguns começam a achar que podem caminhar na velocidade da moeda eletrônica, pelas redes. Há mais gente fazendo live que vivendo! (que frase heim?).

Adentramos na época do narciso sem corpo, só espelho!

Desse modo, todo tratamento médico pode ser cobrado. Ter corpo físico de fato é um luxo. “Você ainda tem corpo? Deve ser muito rico para ter esse luxo?” É como ter uma biblioteca com livros nas estantes!

As morte pela Covid e toda a conversa sobre privatização do SUS vinha nessa esteira. Quando esquecermos a Covid, ou até antes, a conversa voltará. Mandetta será o rei. Ele era o ideólogo do Bolsonaro para tal. Lembram? Se não for ele em pessoa, será algum estrupício como ele.

Paulo Ghiraldelli, 63 filósofo.



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