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A LISTA FICCIONAL DOS DETRATORES OU Vamos brincar de ditadura?

Após 1982, tendo vingado a eleição direta de governadores no contexto de uma “abertura política”, o regime iniciado em 1964 estava tão desgastado que ninguém mais queria ser identificado com qualquer coisa vinda dele. Nem mesmo os que ainda o representavam oficialmente queriam assumi-lo. O próprio presidente Figueiredo colocou um calendário na parede e começou a riscar os dias, contando quanto faltava para ele terminar o mandato.

Surgiu então um estranho comportamento: todos queriam ter sido perseguidos pela Ditadura Militar. Até mesmo os que estiveram o tempo todo do lado do regime de 64 inventaram de dizer que foram perseguidos. E de fato, muitos conservadores tinham lá as suas fichas no DOPS, registrados como “subversivos”. A mentira dos falsamente perseguidos, então, virava verdade!

Não havia uma pessoa que não dissesse qualquer coisa sobre a “repressão”, e completava sempre comentando como naqueles anos todos passados a sua família havia vivido “momentos de medo terrível”. As pessoas que realmente haviam sofrido, então, engoliram em seco. Mas não desmentiram ninguém. Era importante fazer volume contra o regime, em especial para detonar o início da campanha pelas Diretas Já! Foi assim que muita gente que nunca foi perseguida passou a posar de herói e realmente continuou com a medalha até pouco tempo!

Naquela época vigorava o regime epistemológico comum da verdade e da falsidade. Na lógica, a bipolaridade da proposição estava consagrada. Hoje, vivemos a pós-verdade. Não se trata do regime das fake news, como alguns erradamente imaginam. Vivemos a época do aplauso ao mais bizarro, e este se configura como o que achamos que deve ser o certo. Em parte, estamos diante de Bolsonaro como todos estiveram diante de Figueiredo. Só que, vivendo esse clima de pós-verdade, a confusão se estabelece de modo muito mais avolumado. Todos reivindicam estar sendo perseguidos pelo Bolsonaro, ainda que ele não consiga nem mesmo perseguir sua esposa. Na verdade, só agora que Osmar Terra está com a Covid é que a dona Primeira Dama está mais sossegada em casa.

A ideia básica das pessoas, em especial dos que estão meio apagados, é a de se colocarem como vítimas pessoais de um regime militar que não existe, a Ditadura de Bolsonaro e seus seis mil militares no Governo. Primeiro foi o Nassif que declarou que estava sendo perseguido. Ninguém deu bola. Agora, surgiu uma Lista com vários “influencers” e jornalistas, uma boa parte deles desconhecidos de todos nós que lidamos com política e jornalismo. Tal lista teria sido feita no governo – assim diz o rapaz que apareceu com ela de supetão, como que tirando coelho de cartola. Uma lista dos brasileiros perigosos que estariam sendo monitorados por algum mais perigoso ainda órgão repressor do Bozo. A lista apareceu de manhã e antes do cair da noite os contemplados por estarem nela fizeram “lives” se declarando oprimidos e gritando bravatas de que iriam “continuar na luta”. Muitos denunciaram a ditadura do Bozo! Outros, mais comedidos,  e por isso mais espertos, trataram de ficar quietos. Mas deputados sem discurso acharam por bem falar disso, pois sempre é algo que “dá algum ibope”.

Listas assim saem todos os dias na Internet. Mas, desta vez, um jornalista meio apagado resolveu dizer que esta foi ele que descobriu (ele próprio estava nela!) e que realmente era algo terrível: uma lista feita para servir a assessoria de Paulo Guedes. A lista é tosca e, por isso mesmo, pode até parecer ter sido montada por algum bolsonarista no governo. No entanto, ela é uma lista que contém um grupo restrito de pessoas que não são aquelas que batem de frente com o governo, muito menos com Paulo Guedes. Recebi de amigos de Brasília sonoras gargalhadas a respeito disso tudo. Amigos meus de Brasília que, enfim, sabe das coisas, me contou como isso é feito, e como que, não raro, tem mão mais de gente de fora do governo do que gente de dentro.

Daqui para diante esses episódios irão ocorrer mais e mais. É o começo do fim de Bolsonaro. Dá prestígio social, hoje, se dizer um incômodo ao governo, em especial um governo que é incapaz de sequer responder aos ataques que sofre. Alguns até tentam conquistar novas namoradas por estarem nessas listas! A pós-verdade tem a ver com o pós-moderno, ao menos para a classe média, e uma das características de se viver assim, no desbunde, é que tudo fica muito soft. Ser perseguido por Bolsonaro – isso dá sentido para a vida de muita gente e diminui os gastos no psicanalista! É a moda Joice Hasselman, mas de esquerda?

Na verdade, salvo as tentativas de perseguição real de Moro e do atual ministro da Justiça a algumas pessoas do movimento antifascista, o governo Bolsonaro é frouxo e não tem poder de resposta. Nem tenta. Bolsonaro está preocupado demais em livrar seus filhos da cadeia. Negocia e renegocia apoios e procura minar a República para tal.  Os militares no governo estão preocupados demais em gastar polpudos salários. E os ministros se ajeitam como podem com o Centrão, cada um deles querendo mamar em alguma teta estatal que o neoliberalismo deles deplora.

Paulo Guedes com medo de Jones Manuel, o menino do Caetano? Sim, ele é um dos da lista. Trata-se do perigoso estalinista que disse que se o partido dele, o Partido Comunista (com 3 militantes), chegar ao poder, a “burguesia reage” e não o deixa governar. Paulo Guedes pouco ri, mas se isso vier a bater nos ouvidos dele, gargalhará. A lista toda é uma grande piada. E se fosse mesmo do governo, teríamos de achar o estagiário que a produziu. E olha que ainda há estagiário olavete por lá!

Mas, nada disso tem a ver com a realidade da política. É apenas auê de alguns que aproveitam da mansidão do Bozo para posarem de subversivos em uma ditadura inexistente. O império da pós-verdade é a antessala do fim do quase-império da família miliciana.  Tudo isso seria surreal caso esse adjetivo pudesse ser usado em uma época em que o pastiche do pastiche substituiu a história.

Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo.

Na foto, o jornalista que publicou a lista, Rubens Valente



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