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O específico na retórica de Bolsonaro

“Uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa”. Essa frase teve seu sucesso há uns tempos atrás. Creio que foi no governo Itamar Franco. De tempos em tempos ela reaparece na mídia. A sua versão filosófica tem a ver com a prática dos filósofos medievais, que diziam que quando encontramos uma contradição o que temos de fazer é uma distinção. As distinções rigorosas fazem parte da boa prática do pensamento. Políticos populistas de direita trabalham exatamente na contramão de distinções rigorosas.

Bolsonaro é um proprietário da retórica da confusão. Ele é o protagonista da antidistinção. Nesse quesito ele tem muitos adeptos. Seu guru no campo dos desescolarizados e autodidatas é Olavo de Carvalho, que também usa de retórica parecida. O discípulo de Olavo, que atua no meio escolarizado, é Pondé, exímio na arte da confusão textual. O leitor dessa gente, que não raro vota em Bolsonaro e em políticos de seu estilo, adoram o pensamento confuso, pois eles próprios são confusos e se sentem bem confortáveis quando encontram aqueles que, estando acima deles na hierarquia social, pensam de modo confuso. Pondé, Olavo e Bolsonaro podem dizer e desdizer algo na mesma frase, ou em frases seguidas no mesmo contexto linguístico.

Uma das mais fantásticas atuações de Bolsonaro quanto a tal habilidade se deu em uma de suas “lives de quinta feira”. Creio que foi na do dia 12 de novembro de 2020. Falando sobre a morte de uma pessoa que era voluntário no programa de testes de vacina para a Covid, Bolsonaro mostra-se ciente de que a causa havia sido suicídio. Então, em seguida, afirma que em sendo suicídio, então isso nada teria a ver com a vacina. Na continuidade diz que a causa da morte por suicídio poderia ser um Efeito Colateral da vacina. Ou seja: Bolsonaro nunca perde uma discussão, pois todas as possibilidades estão abertas. Nada há que ele não tenha afirmado! Nada há que ele possa dizer, também, que não afirmou. A afirmação sobre o efeito colateral da vacina como podendo ser o responsável pela morte do voluntário é lançado no meio da conversa para que o Seu Eleitor esqueça todo o resto e apanhe com anzol esta opinião. Bolsonaro estava dizendo que a morte de um voluntário invalidava a vacina. Diante da descoberta do suicídio, ele então lança a ideia do efeito colateral da vacina. Seu eleitor, que até então militava com ele na condenação da vacina, estava ali na espreita, esperando apenas essa deixa para continuar na militância estapafúrdia. Por isso, todo o resto do discurso, para o seu eleitor fanático, logo passou para um segundo plano. O importante é manter viva a frase bombástica: “pode ser efeito colateral da vacina, tudo poder ser”. Seu eleitor escuta tal coisa e agora está munido de uma resposta contra as objeções de antibolsonaristas. Seu eleitor diz para consigo mesmo: “Bolsonaro é inteligente, que sacada!” O acordo tácito entre os adeptos do pensamento que não faz distinções garante, então, a continuidade do bolsonarismo.

Quase todos os populistas e demagogos que conheci usavam dessa técnica retórica. Alguns faziam isso propositalmente, outros adotavam tal estratégia de modo espontâneo, pois realmente eram confusos. Nos dois casos o resultado era o mesmo: a alimentação de grupos fanáticos incapazes de se libertarem da alienação do fanatismo. Maluf foi o rei dessa prática. Bolsonaro é agora o titular.

Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo



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