No momento, ele não está; falou que já volta. Ele está, na verdade. Está alheio. A.R. encara a parede branca e suja do quarto imundo, encara a parede em porções temporais que incluem no pacote duas horas ou talvez quatro segundos, preciso alongar as pernas, tô travadão. Travado e envelhecendo na merda, claro. A.R. não é o tipo de pessoa que acelera a bicicleta do OTIMISMO. Otimismo não rola, e a perna direita tem mais flexibilidade, é fato. Agora está pronto para o exercício: com a lombar apoiada na parede, procura uma posição fixa, ereta. As pernas, bem abertas, tentam proporcionar o famoso horário dez pras duas.
A.R. vez ou outra usa as duas mãos para escrever no computador. Com a direita agiliza o mouse, e com a esquerda viaja com o cursor, em busca de parágrafos tranquilos e relaxantes. Depois que Luciana o expulsou de casa, precisa relaxar a todo custo. Provavelmente de tanto andar relaxado, pelo viver umbiguista é que tomou o pontapé no traseiro. Mas o cuidado agora é com o alongamento das pernas. Enquanto repuxa e repuxa uma tentativa de distensão, morre de medo com a variação da química cerebral das últimas horas. Evoca algum pensamento que drible a dor. Vixi, arquivo morto. Puxa, repuxa, perna direita, conto com você: amanhã vou acordar com uma dor dos diabos. Acordar com as pernas travadas, que processo lazarento, sanguíneo-doloroso, engolindo catarro e desengolindo - vai cuspir, cuspindo na palma da mão.