Apesar das diferenças culturais, e da resistência ocidental em abraçar o que diverge do comum, Hayao Miyazaki, alcançou todo o globo com suas animações. Rompendo barreiras e tornando o estúdio Ghibli um dos ícones entre os estúdios de animação. Logo, é difícil contar a empolgação, quando o criador, retorna às telas após uma pausa de dez anos. 

E não falta ansiedade e antecipação para a chegada do indicado ao Oscar O Menino e a Garça. A história do menino Mahito que após perder a mãe durante a guerra, se muda para casa de sua família no interior com o pai e a tia. Lá há uma torre antiga e isolada, onde vive uma garça incomum. Quando a irmã de sua mãe, que também é sua nova madrasta, desaparece, ele segue a ave torre à dentro. Embarcando em uma jornada épica e cheia de metáforas em um mundo paralelo partilhado por vivos e mortos. 

Antes de mais nada, vamos tirar o elefante da sala. Sim, você entendeu certo, o pais de Mahito casa e engravida a irmã de sua esposa um ano após a morte dela. É esquisito, para nós ocidentais, ao menos. E a aceitação da tia como "nova mãe" é um dos obstáculos que ele precisa superar. Assim como o luto, não apenas por sua mãe, mas por sua antiga vida. 

Tudo isso, sem pressa e com uma mitologia que apenas a Cultura Japonesa pode proporcionar, e que o estúdio Ghibli é mestre em transpor para as telas. Quase que de forma episódica, o protagonista vai tendo encontros, e colecionando experiências e aprendizados, que nem sempre nos parecem claros à primeira vista, mas que se completam e constroem um belo quadro ao fim projeção.  

Entretanto, essa "ausência de pressa", e a complexa mitologia são ao mesmo tempo os pontos fortes e fracos da produção. O tom contemplativo é proposital, mas em muitos momentos soa arrastado e cansativo, mesmo para quem já está acostumado com o ritmo mais compassado do estúdio. Quanto à mitologia, e a cultura japonesa em geral, nossa falta de familiaridade com elas, são sempre um empecilho. Especialmente para quem não está disposto a dedicar um pouco mais de análise aos eventos, suas metáforas e temas. 

E por falar em temas talvez o mais curioso que o filme traga é o que faz alusão ao próprio criador. Um construtor de universos que deseja, mas não consegue se aposentar e deixar sua criação morrer. Tão pouco encontra um substituto, disposto à dedicar a vida à sua obra. Afinal, cada um tem o direito de criar o próprio mundo, seja ele mágico ou apenas uma vida pacata no campo. 

 Qualquer semelhança com as várias tentativas fracassadas de Hayao Miyazaki em se aposentar e parar de criar histórias, pode não ser mera coincidência. E poderia ser inclusive, uma boa forma de despedida, se é que ele realmente vai parar dessa vez.

Há ainda tempo, para explorar o conceito de família, destino, insanidade, o potencial para a maldade que reside em todos nós e nossa escolha de abraça-la ou não. Curiosamente, o período de guerra em que a história se passa, serve apenas como cenário. A jornada de Mahito é mais pessoal e intimista.

Técnica e visualmente, o filme traz a qualidade esperada das produções do estúdio. Naquele estilo em que cada frame pode se tornar uma obra de arte para se pendurar na parede. Mesmo quando as imagens são mais estilizadas e até perturbadoras. Repleto de expressividade, personagens carismáticos e momentos icônicos.

Não tão original quanto o esperado, afinal ainda é a história de uma criança enfrentando um momento difícil em um mundo mágico (oi Chihiro!), mas ainda extremamente complexo, profundo e caprichado. O Menino e a Garça é mais uma obra prima de Miyazaki. Talvez não a melhor delas, mas ainda relevante o suficiente para justificar o retorno do criador e a expectativa do público. 

O Menino e a Garça (Kimitachi wa dô ikiru ka)
2023 - Japão - 124min
Animação, Fantasia, Drama