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Anatomia de Uma Queda

Todo fato tem pelo menos três versões, a minha, a sua e a verdadeira. Neste caso, a do marido, a da esposa, e a Verdade que nós e o filho desesperadamente tentamos encontrar. Anatomia de Uma Queda busca pela verdade, sem necessariamente a obrigação de encontrá-la, mas mesmo assim encerrar o caso. Parece estranho, eu sei, mas no final faz sentido. 

Samuel (Samuel Theis) é encontrado morto na neve do lado de fora do chalé isolado onde morava com a família, por seu filho Daniel (Milo Machado Graner), um garoto de cerca de onze anos, com deficiência visual. As circunstâncias em torno da morte são suspeitas, e sua esposa Sandra (Sandra Hüller) é indiciada pelo crime. Colocando a viúva, e principalmente o filho, em uma situação familiar impossível, com o garoto como única testemunha do caso. 

As análise de evidências são inconclusivas, e um inevitável julgamento, são os dois caminhos que a diretora  Justine Triet e o marido e corroteirista Arthur Harari escolhem para conduzir a busca pela verdade. Apostando em nossa própria percepção e julgamento do caso.

Samuel caiu, se matou, foi jogado? Como comprovar algo apenas com depoimentos e memórias, quando a humanidade é elemento crucial na forma como encaramos a verdade. Seu pai é suicida, a mãe assassina, ou tudo não passa de um infeliz evento? Para Daniel, qualquer resposta é desagradável, e nenhuma certeza parece ao alcance. Cabe ao garoto, e consequentemente à nos, decidir qual "verdade" é faz mais sentido. Ou ainda, qual é mais suportável. 

Incerteza, que é reforçada pela construção de personagem. O filho perdeu quase toda a visão, em um incidente que também influencia nos eventos. Sua cegueira é tanto física quanto alegórica. E mais tarde ainda descobrimos que pode ser a motivação inicial dos eventos. Tornando sua incapacidade de "enxergar" o quadro todo ainda mais contundente na trama.

Com isso, o roteiro e direção seguem calmamente, analisando, reavaliando e discutindo os detalhes daquele dia, bem como tentando compreender a relação entre mãe e filho a partir desse evento.     Justine Triet não apressa nenhum sentimento, ou explicação, ao mesmo tempo não que não oferece certezas. Os dois flashbacks existentes por exemplo, também dão margem a duvida. Se aconteceu como ouvimos, ou se de fato aconteceu. 

Ritmo mais lento, que pode ser considerado "chato" por alguns, mas que se sustenta principalmente pelos personagens bem construídos. Milo Machado Graner nos faz empatizar imediatamente com Daniel, ao demonstrar o peso de seu mundo em colapso, que o garoto carrega nas costas. Mas é Sandra Hüller, quem nos atrai magneticamente. Com um papel escrito para ela, a atriz consegue transparecer dubiedade, mesmo com sua personagem acreditando e alegando ser inocente todo o tempo. Uma atuação simples, mas poderosa, mesmo quando a personagem demonstra frustação e desgaste com a burocracia e os tramites do processo. Seria Sandra uma assassina dissimulada, ou suas discussões e atritos do marido, são meros reflexos de um casamento desgastado e comum?

O júri eventualmente toma uma decisão quanto a isso, não antes de usar todo tipo de recurso para salvar e difamar a acusada, incluindo discussões sobre sua sexualidade e vida profissional. Ao mesmo tempo que o filho precisa escolher uma verdade. Mas a diretora nunca determina uma definitivamente. Cabe a nós discutir, escolher no que acreditar, e acima de tudo, aceitar que nunca saberemos toda a verdade. Essa morreu com Samuel, já que Sandra, se inocente, também não saberia todas as circunstâncias do evento. E se culpada, jamais admitiria. 

 Toda essa discussão é construida com uma direção simples, compassada, que economiza em firulas e até em closes. Temos esse olhar mais intimo apenas com o pequeno Daniel. A diretora também evita nos influenciar com reações e percepções de terceiros, limitando até mesmo mostrar como o público, o júri ou impressa reagem a cada declaração. Sabemos que tudo virou um circo midiático, mas essa mídia não tem fala aqui. 

Talvez eu tenha divagado demais nesta crítica, mas convenhamos, isso é exatamente o que o filme propõe. Anatomia de uma Queda te incentiva a buscar a verdade, questionar, analisar, se colocar no lugar dos personagens. Mas não se importa nem um pouco em oferecer uma resposta. O interesse é a discussão. 

O final está longe de ser em aberto, a investigação tem um fim. Mas não traz conclusões ou verdades, isso, somado à longa duração e o ritmo mais lento, pode afastar alguns.Aqueles que estiverem dispostos, no entanto, vão poder ter um panorama interessante das "versões da verdade", e da dificuldade de alcançar algo que inicialmente parece tão simples, a verdade de fato!

O filme francês não foi o candidato de seu país para o Oscar de Filme Internacional, mas fez carreira por conta própria. E está indicado à cinco prêmios da academia, inclusive Melhor Filme. É o vencedor da Palma de Ouro em Cannes.

Anatomia de Uma Queda (Anatomie d'une chute)
2023 - França - 151min
Drama, Suspense



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