Um dos grandes benefícios da existência dos streamings é o acesso que ele permite à obras de todo o mundo. Independente de serem grandes ou pequenas, produzidos pela própria plataforma, ou por outros estúdios. É verdade também que muita porcaria de todo canto do planeta aparece na lista, na mera tentativa de ampliar o catálogo. Mas, eventualmente, coisas boas também surgem. É o caso desse filme espanhol de sobrevivência que virou fenômeno na Netflix.

Em um futuro não muito distante, a escassez de recursos fez com que governos tomassem medidas drásticas para tentar garantir a sobrevivência. Na Espanha, crianças e mulheres grávidas estão sendo levadas pelo governo, e nunca mais vistas. Por isso, Mia (Anna Castillo), em estágio avançado de gravidez, e seu marido Nico (Tamar Novas) decidem imigrar ilegalmente para Irlanda, onde o governo resiste a medidas tão extremas.  Separados à força, a moça acaba sozinha em um container em algum lugar no oceano. E precisa usar todo recuso que encontrar para sobreviver.

Uma pessoa, presa em uma situação impossível, tentando sobreviver a qualquer custo. A premissa não é exatamente inédita, apenas as condições de tal sobrevivência mudam a cada nova obra. O que não muda é nosso fascínio e torcida pelos personagens, quando essa narrativa é construída com competência. Coisa que Destinos à Deriva faz muito bem. 

Diferente de muitas obras que apelam pela burrice dos personagens, Mia é inteligente, e cheia de recursos críveis. Nada incrível e exagerado como, McGuiver, mas o suficiente para uma pessoa comum, com conhecimento gerais. É aí que acontece a identificação, será que faríamos a mesma coisa? Teríamos as mesma ideias? É impossível não se colocar no lugar da moça, e torcer por ela, enquanto acompanhamos sua jornada.

Torcida e empatia o suficiente para relevarmos as facilitações e conveniências que o roteiro precisa tomar para que a história evolua. Como, celulares com baterias que funcionam por dias, e o próprio container, que na vida real nunca flutuaria por tanto tempo. 

Quem também é elemento essencial para essa empatia é Anna Castillo, que acerta na atuação ao apresentar uma evolução coerente de sua protagonista. Mia começa temerosa, culpada, apoiada pelo marido, e ao longo da jornada precisa se reinventar. Encontrar motivos para continuar lutando, superar a culpa e se perceber capaz sozinha. A moça tem momentos de desistência e determinação, com igual intensidade e honestidade. 

A produção capricha na construção do ambiente/desafio, bem como nos efeitos do tempo no local e na moça. Um lugar hostil, insalubre e isolado, bastante realista, que garante a construção da agonia por estar preso ali. Enquanto o roteiro encontra soluções eficientes, para transformar em recursos os objetos nada essenciais que estão a disposição da moça.

Evitando spoilers, posso afirmar que o final é clichê e cheio de conveniências. Entretanto, à essa altura nosso envolvimento com a moça é total. Tornando impossível que não acompanhemos esse desafio até o fim. Curiosos para saber se ela vai sobreviver, e torcendo para que sim.  

Destinos à Deriva não reinventa a roda, mas é eficiente ao criar uma nova versão de jornada de sobrevivência. Envolvente, e enervante, prende o público até o fim, e garante um bom entretenimento por um par de horas. Um fenômeno cheio de méritos da plataforma vermelhinha. 

Destinos à Deriva (Nowhere)
2023 - Espanha  - 109min
Drama, Suspense