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A UNITA não tem factos, nem jurídicos, nem políticos, para destituir o Presidente da República - Deputado Esteves Hilário

Esteves Hilário, deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA, manifesta, na Grande Entrevista ao NJ, preocupação face à situação social e económica, mas refere que o facto resulta das crises globais, de 2014 até à Covid-19. E defende que a UNITA está despida de provas que sustentem uma possível destituição do PR e esclarece não ter ascendentes na UNITA, contrariamente ao que se tem propalado.

Senhor deputado, o Novo Jornal tem acompanhado os últimos desenvolvimentos políticos protagonizados pela UNITA, que, apoiando-se no artigo 129. º da Constituição da República de Angola (CRA), projecta mover um processo de destituição do Presidente da República. Mas parece que para o MPLA, instituição de que faz parte, se trata de uma medida sem bases. Qual é o fundamentamento legal dessa posição?

Como sei que seremos vistos e lidos por muita gente, se calhar ia fazer um pouco de pedagogia. Nos sistemas de Governo presidencial, como é o nosso caso, que é um presidencialismo parlamentar, na destituição do Presidente há sempre o que chamamos de abalos institucionais, ao contrário do parlamentarismo, onde a destituição do primeiro-ministro é um processo normal, porque ocorre no parlamento, como a moção de censura, e não causa qualquer abalo institucional. Porque isso pode, de alguma maneira, levar à substituição do primeiro-ministro por outro parlamentar, porque o Governo resulta do parlamento. No presidencialismo não, a destituição do Presidente é sempre um processo longo, penoso e que causa, inevitavelmente, um estresse às instituições do Estado. Daí que, para nós vermos o presidencialismo americano, que é a maior fonte da nossa doutrina constitucional, ele tem mais de 200 anos e teve apenas um processo de destituição do Presidente da República, processo que, inclusive, não foi concluído, que é o processo chamado Watergate. Portanto, o presidente não chegou a ser destituído, porque preferiu renunciar o mandato a levar o processo até ao fim, para evitar os abalos institucionais.

Voltando para a nossa realidade...

Voltando aqui para a nossa realidade, isso depois vai justificar um pouco o posicionamento do Grupo Parlamentar (GP) do MPLA e da direcção central do partido. Nós sabemos que a Constituição da República prevê a destituição do Presidente da República, não é por aí que a coisa desanda. O problema é que a Constituição estabelece critérios. O Presidente deve ser destituído naquelas circunstâncias em que ocorreram factos comprovados de que tenha cometido actos que a Constituição considera passíveis de destituição. Note que a destituição do Presidente é, como eu diria, uma bomba atómica da política, porque ela tem um peso muito grande. Portanto, nós entendemos que o próprio Grupo Parlamentar da Unita ainda não conseguiu, que eu saiba, a nível da Assembleia Nacional, dar entrada do processo como tal. Eu entendo o porquê que ainda não conseguiram dar entrada. Não têm factos provados.

Mas o Grupo Parlamentar (GP) da UNITA descreve alguns elementos que entende serem factos comprovados, como, por exemplo, a questão da corrupção, apoiando-se às adjudicações directas, principalmente...

Os ajustes directos são formas previstas na lei, isso não configura necessariamente corrupção. É preciso saber. E, aliás, por isso é que eles ainda não deram entrada do processo de destituição do Presidente, porque precisam alegar um facto e depois trazer a prova de que seja verdadeiro. Note que, em direito, o Direito Constitucional se socorre do Direito Penal, e o nosso direito penal é acusatório, portanto aquele que alega um facto tem que dela fazer prova. Portanto, a UNITA, ao alegar que o Presidente da República cometeu um acto de corrupção, a Constituição, por exemplo, fala de suborno, tem que dizer que o Presidente da República foi subornado, por quem, onde, como e provar o facto.

(...) A análise política que faço é que a UNITA queria criar um facto político, deduzo que quisesse ou distrair-nos, a opinião pública, para um problema interno seu, ou distrair-nos por causa de um problema que foi colocado aqui a nível da Assembleia Nacional, que é o problema dos subsídios de instalação, em que a UNITA não esteve muito bem na fotografia. Portanto, para distrair a opinião pública sai com este facto, que no meu entender é pura pirotecnia política, só para fazer barulho...

Está a dizer que a pretensão do GP da UNITA não tem razão de ser?

Não, não tem razão de ser do ponto de vista jurídico, não tem razão de ser do ponto de vista constitucional e não tem razão do ponto de vista político. Portanto, a UNITA não tem factos, nem jurídicos, nem políticos, para afastar o Presidente da República...

Ou seja, até remeter ao Parlamento uma proposta com factos comprovados?

Primeiro precisa de ter factos, depois precisa de reunir provas desses factos. E, quando falamos em provas, não é porque "ouvi dizer", "o fulano disse", não! É documentar os factos que alega. Portanto, aí depois tudo isso vai ser analisado. Mas, depois disso, e ainda que os tivesse, isso esbarraria num outro problema que a UNITA tem: A UNITA precisa de dois terços dos deputados em efectividade de funções para destituir o Presidente da República e a UNITA não pode contar com o Grupo Parlamentar do MPLA, não lhe vai dar este apoio. Este frete o Grupo Parlamentar do MPLA não lhe fará.

Este é um assunto que veremos mais adiante. Por agora, continuemos a olhar para aquilo a que chama de factos não comprovados. A UNITA fala que o Presidente da República tem violado a Constituição da República de Angola e as leis do País e aponta, como exemplo, a forma como as diferentes forças políticas têm sido tratadas na imprensa pública. Não é um facto comprovado?

Que justifique a destituição do Presidente da República? Não! A Constituição é clara quando diz as razões pelas quais o Presidente da República deve ser destituído. Estão lá previstas no artigo 129.º. Ela fala de suborno, espionagem, traição à pátria... Estamos a falar de crimes que tecnicamente chamamos de crimes de responsabilidade. Primeiro, o facto precisa de ocorrer, precisa de estar previsto por lei, para fazer a subsunção do facto à norma e depois se aplicar a sansão, que é a destituição. Eu não vejo, pelo menos do que ouvi da conferência da UNITA, com atenção, por razões óbvias, nada que do ponto de vista jurídico sustentasse uma acusação ao Presidente da República. Não existe. É uma pirotecnia política, é um fogo-de-artifício que tem o seu efeito, mas que depois desaparece no ar.

Apesar das explicações que está a dar, a UNITA já avisou que não há-de recuar e mantém a esperança no procedimento de voto secreto...

A UNITA, diria para os nossos leitores, é o exemplo daquele ladrão que vai para assaltar uma casa convicto de que o cão não está, mas afinal o cão está lá dentro. Portanto, a UNITA esperar votos do Grupo Parlamentar do MPLA contra o Presidente João Lourenço é uma miragem. Aliás, eu tenho dúvidas de que isso sequer vai à discussão, por falta de substâncias. Mas se eles, na pior das hipóteses, conseguirem a tal substância que é precisa para ir, vão encontrar o grupo do MPLA coeso. O Grupo Parlamentar do MPLA está firme e coeso em torno da defesa do líder.

Como poderá já ter ouvido, em vários discursos, responsáveis da UNITA apontam também o facto de o PR ter, por ocasião do empossamento do actual juiz presidente do Tribunal de Contas, apelado para que não se atrasassem concursos por causa de vistos...

A UNITA, às vezes, parece-me algo esquizofrénica, porque num momento a Constituição não vale nada, "foi feita à medida do MPLA e ela é para ser rasgada". Noutro momento a Constituição é "sistematicamente violada". Precisam primeiro concentrar-se e perceber o que querem.

No mesmo discurso o "Presidente é eleito ilegitimamente" e noutro o "Presidente tem que ser legitimamente destituído". Portanto, é preciso que eles se ponham de acordo, mas esse é um problema da UNITA, que não nos vem ao caso. O Presidente da República, de acordo com o nosso sistema de governo, é também Chefe de Estado e jura, na sua posse, respeitar e fazer respeitar a Constituição. Mas, a própria Constituição também obriga a que o Presidente da República seja o garante da boa realização da política pública. O que o Presidente da República disse aí com todas as letras está muito claro: Não é que o Tribunal de Contas deixe de fiscalizar, é que o Tribunal de Constas não sirva de empecilho à boa execução das políticas públicas.

Para este caso em concreto, está a dizer que o PR pediu apenas maior celeridade do tribunal?

É o que se pede a todos os tribunais, não é uma coisa que se pede especificamente ao Tribunal de Contas. A celeridade pede-se a todos os tribunais. Uma justiça que tarda não é justiça. Neste caso em concreto, o que se pede ao Tribunal de Contas é o que se pede aos demais tribunais, têm que ser céleres na tomada de decisões.

E que juízo faz à actual situação do sector da Justiça?

Nós precisamos de melhorar muito, temos consciência disso, e algumas coisas têm sido feitas. Poderíamos ter feito mais coisas. Note que, em 1975, quando Angola se tornou independente, se recuarmos no tempo colonial, os juízes, salvo raríssimas excepções, eram portugueses ou cabo-verdianos e santomenses. Eram casos muito raros em que existissem juízes autóctones angolanos. Quando se deu a independência, essas pessoas foram embora, o sector da Justiça ficou muito prejudicado. Nós tivemos casos de escrivãs de direito que foram promovidos a juízes de comarca, de tribunais provinciais. Ora, o País evoluiu muito nesta matéria, hoje já não temos juízes não-formados em direito, mas tivemo-los durante muito tempo. Mas também tivemos uma coisa que devemos aqui reconhecer, é que ao longo dos últimos 40 anos o sector da Justiça, dentre os três poderes, é o que recebeu menos investimentos em recursos humanos, menos investimentos em estrutura, menos investimento em legislação, e isso, obviamente, tem um peso. Portanto, nós agora estamos a viver o peso do desinvestimento que foi feito ao longo desses 40 anos e, também, tem uma explicação pois que, em tempo de guerra, o esforço de guerra ocupava a agenda política do País. Portanto, o sector da Justiça tem muitos desafios e nós temos que estar convictos disso e, quando digo nós, digo nós, os angolanos.

De modo concreto, em que aspectos é que se deve melhorar?

Devemos melhorar em tudo. Como advogado, também, digo que quem vai aos tribunais, só do ponto de vista de infra-estruturas, vê que aquilo precisa de melhorar muito. Precisamos de melhorar as infra-estruturas dos tribunais, por exemplo, como fizemos com o PIIM, muito investimento em escolas. Nós que andamos no interior do País vemos que há lugares em que não haviam escolas, hoje há, lugares onde as escolas estavam degradadas, foram reabilitadas ou construídas novas. Nas comunas mais recônditas do País hoje tem estruturas de educação, foram construídas escolas, hospitais, postos médicos... Precisamos de ter, se calhar, um PIIM para o sector da Justiça, que velasse só para as infra-estruturas do sector. Precisamos também de melhorar continuamente a qualidade dos recursos humanos, isso também é fundamental. A par disso, precisamos de adaptar muito da nossa legislação, que ainda é legislação colonial, como, por exemplo, o código civil. Precisamos de ter uma legislação nacional neste sentido e, em alguns casos, adaptar a legislação, como eu costumo chamar de ergonomia legislativa. Trazemos a legislação para a nossa própria realidade, porque nós fizemos, durante muito tempo, e ainda fazemos, passo a expressão, transplante legislativo. Copiamos legislação de outras paragens e trazemo-la para cá, e na hora da aplicação reflecte-se que efectivamente as coisas não funcionam como deviam, porque o povo não se revê na legislação.

Que observação faz sobre os escândalos que envolvem o Tribunal Supremo (TS)?

Como angolano, como cidadão, obviamente que com preocupação. Agora, como deverá compreender, pela minha condição de deputado, não posso tecer juízos de valor sobre o comportamento de um órgão de soberania, isso viola o princípio da separação de poderes. Mas preocupa-me que instituições angolanas estejam na praça pública a ser mal faladas, que dignatários estejam a ser mal falados publicamente. Isso preocupa-me a mim, preocupa a qualquer cidadão de bem, inclusive o próprio Presidente da República, que já disse publicamente que vê, também, com preocupação. Agora, eu prefiro acreditar nas instituições, acreditar nos órgãos de justiça, sei que há uma investigação do Ministério Público em curso, prefiro acreditar, até na minha condição de um órgão de soberania, que o Ministério Público investigue, leve as conclusões a bom porto e depois se faça justiça.

Mas, enquanto constitucionalista, qual é a opinião que tem sobre a nomeação do juiz Carlos Cavuquila ao TS, um proceso tido por algumas pessoas como fraudulento, por se tratar de um magistrado que supostamente se encontra com pendentes na justiça?

Eu não conheço na profundidade a matéria. Li que havia sobre o juiz em concreto uma condenação junto do Tribunal de Contas, portanto, embora não se possa dizer que esteja no campo da legalidade ou da ilegalidade, ele pode cair no campo da ética, da moral. Portanto, aí sim faz sentido que se queira ter um posicionamento concreto em relação à questão da moralidade. Eu não conheço, na profundeza, a questão, mas, obviamente como disse, não me cabe fazer juízo de valores, na condição de deputado, sobre comportamento de magistrados judiciais em efectividade de funções. NJ



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